10 dezembro, 2007

Quase mãe


Ela estava brincando e meio desatenta quando me chamou de mãe. Mas eu não, quando percebi que aquele momento chegou.

Para mim, a expressão foi a mais séria que já ouvi. Representava tudo que construímos desde o primeiro olhar, tão reticente e comedido. Ela me deixava insegura, em pânico. Como era possível? Tão pequena e desafiadora. Tão verdadeira e decidida. Sempre me encarou. Nunca me temeu.

No dia em que senti que éramos amigas, quase não durmo. Não importava o que acontecesse ou onde estivéssemos. Entre nós havia cumplicidade e confiança.

Não lembro quando, finalmente, desarmei. O instante em que pude sorrir ao vê-la chegar, porque passei a sentir alegria no lugar do medo. Medo de errar, de deixá-la se machucar, de não fazê-la feliz, de não ser boa o suficiente...

De certa forma, há muito tempo já me sentia um pouco “mãe”, mas não o seria enquanto ela não oficializasse essa situação. Partiria dela o comunicado solene do nascimento de uma nova relação. E sempre estive ciente de que talvez aquele momento não chegasse nunca. Até que ele ecoou...

Olhei desconfiada. Achei que era um lapso infantil. Não era! Ela falou, e falou de novo, e muitas outras vezes. Naquela palavra minúscula, meu espírito materno aguçado. O sonho de cuidar de um filho - adiado por minhas próprias escolhas. A consciência de não ser sua mãe de verdade, mas de ter o coração aberto pra sê-la durante o tempo que ela quiser, em todas as horas que precisar, e nas que não precisar também.

Conquistá-la foi um grande desafio. Receber seu amor é um dos maiores presentes que já ganhei.

19 novembro, 2007

Aos anjos


Quero vivê-lo em cada sussurro
na melodia da tua voz que me (en)canta.


Quero cada segundo de teu silêncio
da paz no teu rosto enquanto dormes.


Quero tua boca brincando na minha

mordendo o lábio com sede de nós.


Quero teus passos ao lado dos meus

fazendo seguro um caminho que é nosso.


Quero senti-lo, calor no meu frio

quero o calafrio em noites vermelhas.

Quero esse brilho tomando meu rosto

enquanto te mira, te cerca, te adora.

12 novembro, 2007

Ai, que calor!

foto: Bernardo Soares

Minha cidade ferve como nunca
Transparece o calor em cada detalhe
No suor escorrendo das faces brilhantes
Nas camisas manchadas, no caminhar de cabeça baixa
No alvoroço dos corpos que procuram não se encontrar.

De dentro do caldeirão que é a minha cidade
Sinto a pele arder quando o sol bate
Em vão, brinco de prender a respiração
Na tentativa de não provar da fumaça preta que escapa dos ônibus
E retoco novamente a maquiagem derretida.

Ao meu lado, atletas magricelos correm entre os carros
E penduram doces nos retrovisores
Outros, cadeirantes, driblam o trânsito vendendo canetas a um real
E o canal presenteia os passantes com o cheiro do Recife
A cidade fervorosa, que brilha como nunca.

26 outubro, 2007

A busca


Sentou no bar e pediu a de sempre
Sorveu cada gota doce que lhe passou pelos lábios
Quem dera uma vida com o mesmo sabor...
Por hora, mais lhe lembra o gelo,
Incomodando a garganta, trincando os dentes.
Bebeu tudo bem rápido,
Com a sede de quem precisa perder logo a razão
Pediu outra, e mais outra.
Ainda entendia tudo.
Cada cor, cada palavra, cada olhar fazia sentido.
Os enxergava com tanta clareza, que preferiu parar.
Foi buscar outro caminho para longe da verdade.

23 outubro, 2007

Transcender


Enquanto a terra desaba em tempestade
Ela pára e olha o céu
Um novo céu, limpo, num tempo de brisa
E se só ela o vê, deve estar em outro mundo
Não pertence mais àquele
A menina virou poesia.

18 outubro, 2007

Simples asssim

Há tempos não fazia isso: o exercício não físico, mas espiritual de me integrar à terra, ao mato, àquilo que não precisa de adorno para ser verdadeiramente belo.

Pra começar, uma viagem sem engarrafamentos até Bezerros, de onde seguimos à Serra Negra. Logo na chegada, me encantei com um teatro daqueles que só tinha visto nos livros de mitologia grega. Daqueles em formato de meia lua, ao ar livre, projetado para levar o som até o espectador mais distante. Pisar em um palco como esse foi especialmente mágico. Na hora, não contei pra ninguém, só me transportei em silêncio até um tempo que não foi meu, mas está em mim.

A partir do palco, que também era mirante, teve início a trilha. Casas, jardins, pedras, grutas, bichos e nós, como crianças descobrindo um mundo novo. No rosto das pessoas que passavam, a mesma cor vermelha da terra pisada; nos gestos, a simplicidade; em tudo, encontros com pedaços de mim: a menina índia que mora no corpo amarelo da jornalista, de face grosseira e os olhos rasgados.

Todos os dias uso artifícios para disfarçar minhas origens. Para ser mais urbana, tiro os pés do chão e calço saltos. Para ser mais comum, desenho novos olhos, que parecem ser maiores. Ali, caminhando ao lado de meu franzino guia, só queria me encontrar.

A busca foi recompensadora. Chegamos a lugares lindos. A porta do vento, porque parece uma porta e faz vento. A pedra da escada (e não vou nem explicar o motivo do nome), a gruta do amor, o pau casamenteiro, a casa colorida, o papagaio que faz pose para a foto, os patos autistas, a pescaria numa poça entre pedras.

O pôr do sol indicou o caminho de volta e descanso já estava garantido. Nos hospedamos no melhor hotel de Bezerros! O quarto escolhido tinha vista para a praça, que nesse fim de semana transformou-se em pátio de eventos e ficou lotada. À noite, as crianças deram um show em cima do coreto, enquanto os adolescentes jogavam todo seu charme vestindo suas melhores roupas.

Resolvemos entrar no clima e seguimos rumo à festa. E como quem encara a maior das aventuras, pagamos a altíssima quantia de um real e cinqüenta pelo ingresso e giramos por quase meia hora na roda gigante, a principal atração do local. Ela, com ares de pouco confiável, nos encantou com suas luzes e cores, e nos levou a um canto mágico, há tempos esquecido.

Infantes, ali ficamos deixando o vento bater no rosto e a vida girar rápida e sem a menor pressa de parar.

16 outubro, 2007

Amadora

Foto: Léo

O sofrimento é fotogênico
E a dor, musa inspiradora.
Mestres precursores da arte
Incitadores da verdade.

Dos maiores vazios
Das avassaladoras paixões
Das mais devastadoras saudades
Nascem as palavras que se eternizam

O cotidiano e a rotina
Alimentam a banalidade
A mesmice não fecunda a alma
Porque a poesia nasce da pele em chamas.

Eu, poeta,
Quero versos eternos.

Eu, amadora,
Preciso ser amante e amada
Para escrever; para sobreviver.

08 outubro, 2007

Dela

D. Carmelita e Guilherme, o 3º. de cinco bisnetos

Ela é linda. Em seu caminhar manso, em seus olhos brilhantes, no sorriso sempre discreto. Mas tamanha delicadeza não a descreve com perfeição. Apesar de pequena e esguia, seu porte e até a forma como senta ou carrega a bolsa já demonstram altivez e parte de sua força. Não lembro de ter conhecido nada nem ninguém que me emocionasse mais que a presença dela: Dona Carmelita.

Para qualquer outro, mais uma avó deseducadora e irresponsável como tantas outras em um subúrbio do Recife. Para mim, o mais forte impulso; o melhor exemplo; a educação reta, mas divertida; a compreensão larga; a sabedoria personificada; o maior do amor. Eu, essa cria por ela moldada.

Desde criança sempre soube que quando não conseguisse mais administrar meus problemas, voinha encontraria uma forma de interceder e resolvê-los. Procurava não abusar, mas sei que dei bastante trabalho e lhe privei de várias horas de sono.

Hoje, mulher feita da matéria dela, até tento esconder minhas dores para poupá-la, mas a danada descobre. Outro dia, uma cartomante me disse que sou bruxa, “como sua avó”, arrematou. Não duvido! D. Carmelita é de uma sensibilidade assustadora - nada lhe escapa - além de deter o poder de ler meu olhar mesmo quando minha boca tenta mentir.

É assim que ela continua me salvando todo dia. E se, às vezes, me acho forte por apoiar seu braço para que não caia na rua, logo vejo que isso não é nada, porque é ela quem segura meus tombos, cada vez maiores.

Tenho comigo o que tantos mortais sonham em ter a vida inteira: um super-herói particular, um anjo que me recebeu como mãe, de braços e corações abertos, que nasceu para fazer de mim uma mulher melhor.

07 outubro, 2007

Sem querer


Distraídos que se olharam
Não sentiram
Mas deixaram no rastro, um cheiro doce
E um ar de contemplação
No rosto de olhos rasos.

Distraídos que tocaram
Além dos corpos
Marcaram a fogo a pele morena
E com traços de anjos caídos
Pintaram poesia sobre a razão.

Distraídos que se ataram
Sem maldade
Como quem nasce do outro
Do mesmo sangue e carne
De iguais sinais no universo.

Distraídos, coitados, distraídos
Entregaram
Até o que não lhes pertencia
O rumo, a paz, o tino
E uma desconhecida verdade.

26 setembro, 2007

Hoje não. Amanhã.



Das coisas que amo na vida, poucas me garantem um bom futuro. Ir à praia e ao cinema; viajar; sambar até de madrugada; comer muito chocolate.

Ficar em casa também é um presente. Lá posso colorir minhas caixinhas; assistir aos filmes do lado de Riva até perceber que ele dormiu e que eu tenho que arrastá-lo ao quarto; ouvi-lo tocar violão; ler descompromissadamente, pelo mero prazer de descobrir novos lugares no universo; fazer música em dupla; fazer amor, dormir.

A questão é que os prazeres não dão dinheiro (ao menos para mim). E se eu quiser uma vida boa de verdade, talvez deva mudar os hábitos. Fazer como minhas amigas e devorar apostilas de concurso. Criar algum projeto incrível. Estudar para um mestrado ou quaisquer dessas coisas grandiosas, que dão orgulho de se contar.

Essa semana arrisquei, abri mão das coisas boas para estudar e fiz meu primeiro concurso para jornalista. O resultado foi bem pior do que imaginava. Tudo bem... Não dava pra conseguir de primeira.

De qualquer forma, resolvi investir. Pra mim o futuro está sempre tão distante... Não dá nem pra considerar, mas, por algum motivo, estou pensando diferente agora. Sei nem por onde começar a mudança. Abandonar hábitos gostosos pela obrigação de cuidar de um amanhã incerto até no fato de existir.

Talvez seja essa a lição que deva tirar da fase que estou vivendo. É hora de proteger meu futuro. Olhar para frente com mais cuidado e responsabilidade, decididamente, não vai ser simples. Por isso, espero ter paciência, obstinação e, se possível, um tempinho extra para os pequenos prazeres.

25 setembro, 2007

Outono


Ela não se move.
E se não o faz é por, simplesmente,
Não saber onde está
Nem para onde ir.
Jogada, folha seca,
Vaga no ritmo do vento.
Tempo parado é inércia de espírito
E o dela está quieto.

Mas o corpo frágil ainda sonha
Em, qualquer dia desses,
Acordar diferente.
Virar bicho faminto
Com desejos e necessidades de bicho
Sair em busca do alimento, do abrigo.
Da alegria, do risco.

Nascer folha é não saber
Existir sem pensar no amanhã
Sem emoção, sem planos, covarde.
Ser folha é como não ser viva.
Por isso, inveja os bichos.
E sonha em criar pés ou asas.

21 setembro, 2007

Um tempo


"Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo".


Guimarães Rosa

04 setembro, 2007

Presentes de família

Um dia inteiro de céu cinza no Recife. A chuva não deu trégua e eu, pelo vidro da janela da sala, olhava atravessado para ela que não parava de cair. Acho que o mundo inteiro já sabe que sou avessa à chuva. Claro que compreendo sua importância, mas não gosto, ora! É um sentimento meio infantil, de birra mesmo, quando percebo que o dia não vai ser quente e sim, cinza.

Talvez seja porque more aqui e, desde pequena, tenha sido obrigada a ligar uma noite chuvosa a um dia seguinte de morte nos morros. De uns tempos para cá isso até vem acontecendo com menos freqüência, mas não foi o suficiente para me libertar do desgosto pelas tempestades.

Mas não é sobre isso que quero escrever. Falei da chuva para contar que foi sob um toró impiedoso que fui à casa de voinha hoje. Ela insistiu que passasse lá porque tinha uns presentes para me dar. Fui, ganhei meus presentes e vim para casa lamber as crias.

Eram dois livros. O primeiro, cheirando a novo, é a mais recente publicação sobre Teorias da Comunicação de Massa. Estava precisando dele para estudar, mas não tinha grana para comprar. Voinha investigou, catou o livro pelas livrarias do Recife e me deu. Como ela conseguiu tamanha façanha, ainda não sei, mas amei a surpresa. Minha véia é muito linda mesmo, além de impossível quando quer conseguir alguma coisa.

Abri meu novo livro e tratei de iniciar a história de sua vida. É uma espécie de batismo que tenho o hábito de fazer com meus livros. Coloco a data e a circunstância em que chegou a minhas mãos e até o sentimento que tenho por ele.

Anos depois, quando dou de cara com algum perdido em antigas gavetas, leio o batismo e logo retorno àquele momento. Sem isso, minha memória me trairia e eu perderia mais uma boa lembrança.

Terminado o ritual, segurei o segundo livro, uma edição de 1993, de Violetas na Janela (uma publicação espírita ditada por Patrícia à Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho). Disse a minha mãe que queria relê-lo e como ela havia perdido o dela, foi ao sebo buscar outro. O livro custou cinco reais e apesar da capa um pouco gasta, ele está em ótimo estado. Quando o abri, não pude deixar de sentir um misto de emoção e cumplicidade: ele também foi batizado! E que bela cerimônia:

Oginha, este livro não é um simples livrinho espírita. É para que você comece a entender e acreditar que a vida não termina com a morte do corpo físico, e que através da morte do corpo que realmente começamos a viver, amar e entender o verdadeiro sentido da vida e o porquê das coisas que não entendemos ou insistimos em não querer ver ou aceitar. Para você, Oginha, com todo amor e carinho de sua mãe. Em 03-10-98. Te amo. Mainha

Na capa, o nome da felizarda escrito em caneta cor de rosa: Geórgia Carolina.

Depois de tudo isso, preciso acrescentar ao batismo de meu novo livro que, ele chegou em meio à chuva, mas acompanhado de alegria.

28 agosto, 2007

Pelas ruas

Foto: Léo

Eu adoro andar de ônibus. Há os que discordem, mas para mim esse é um ritual que ajuda o dia a começar. Os poucos minutos que passo sozinha lá dentro, mesmo cercada de pessoas, são suficientes para organizar as idéias, planejar as tarefas do dia, encontrar as pessoas dentro das pessoas. Alguns preferem usar o tempo da viagem para ler ou até dormir mais um pouquinho. Eu não. Gosto de sentar perto da janela e olhar o Recife enquanto o vento bate no rosto.

Pra começar, leio tudo, de outdoor à placa de carro. Vejo o movimento das paradas de ônibus, de quem atravessa a rua com cara de atrasado e daqueles que ainda nem sabem por que estão ali, mas já se misturaram à massa. Em muitos lugares dá até pra sentir um ar fresco, cheiro do mato que ainda resiste à poluição. Em outros, de trânsito mais ferrenho, melhor mesmo é prender a respiração e torcer pelo fim do congestionamento.

Ontem a viagem foi longa. Fui de Recife a Jaboatão em busca de um novo emprego. O tradicional frio na barriga me acompanhou durante todo o trajeto, enquanto eu pensava que tudo iria dar certo. E “dar certo” não significa conseguir o emprego, mas continuar feliz com o que faço.

Não gosto de ter trabalho. Gosto sim de ser repórter, de passar informações, esclarecer. Gosto do trato com as pessoas, dessa intimidade adquirida em tão curto espaço de tempo. Gosto de escrever, brincar com as palavras como quem executa um balé. Nada disso soa como trabalho, mas como prazer.

Por isso o receio de ir em busca de mudanças. Seria hipócrita dizer que aceito qualquer emprego só porque o dinheiro está escasso ultimamente. Eu não aceito. Não aceito sofrer por não conseguir administrar a vaidade de um cliente. Não aceito perder qualidade de vida por um salário mais alto. Meu espírito careta precisa ser livre ao menos profissionalmente.

Mas nesse caso, nem deu tempo de analisar se valeria à pena. Cheguei a Jaboatão e fui recebida por uma voz despreocupada do outro lado da linha, que me mandou ir amanhã. Catei as moedas na bolsa, subi no ônibus de volta a casa e paquerei o Recife, como de costume. No final da viagem, decidi que não iria lá novamente.

Acredito nas coisas que são nossas e nas que chegam à vida como quem vem numa caixa de entrega especial. Meu novo emprego está por aí. Quem sabe não aparece no próximo ônibus?

21 agosto, 2007

Tempo, tempo, tempo...


Desde pequena tenho a sensação de que não vou longe, que a vida para mim termina por volta dos trinta. Isso não me assusta, entristece ou enfraquece. Na verdade, isso não muda nada. É só uma sensação besta, como tantas outras e que, no máximo, me impulsiona a ser mais feliz hoje, porque amanha é distante demais e pode não dar tempo.

E se tem uma coisa que eu gosto nessa vida é do meu tempo. Por isso, não o gasto com nada profundo ou sério demais. Uso para ficar bem e ponto. Para batucar, ouvir as músicas que me fazem viajar, ler textos mansos e caminhar por essa cidade ensolarada. Gosto de parar para paquerar e conversar com quem puder: crianças, velhos, bichos - gente adulta e adolescentes me cansam. Prefiro a despretensão dos velhos, a verdade dos bichos e a coragem das crianças. Prefiro mesmo colher isso tudo em cada um deles e voltar pra casa feliz.

São esses encontros diários que fazem do meu tempo algo muito bom. E foi assim que passei esses 29 anos. Nunca quis ser a melhor jornalista, nem a mais gata do curso, nem a mais popular ou engraçada. Eu sempre quis apenas ser.

Não pensei que chegaria a tanto, nem que a vida estaria com esse molde quando beirasse os trinta! Mas aqui estou. Quase balzaquiana e ainda tão menina. Tão madura e tola. Tão ciente e perdida. Mas feliz, como sempre. Por isso, quero comemorar os 29 como quem comemora o primeiro e o último ano de uma vida, como sempre faço no dia 21 de agosto.

Quero abraçar meus amigos, ouvir a voz deles, lembrar de todos, até dos que moram mais longe e não vão sequer poder telefonar. Quero comer bolo de chocolate, assoprar velas, fazer pedidos para o futuro. Quero sambar em Casa Amarela, beber um pouco e cantar ao lado de Riva (tudo que mais sonhei nos últimos aniversários). Quero brindar meus 29 anos sem medo de não chegar aos 30, mas se chegar, quero tudo de novo!

16 agosto, 2007

Doutor da alegria


Manhã nublada, a sombrinha molhada na bolsa. O típico dia em que preferia ficar em casa, mas dessa vez não deu. Subi no ônibus já atrasada. Assim que entrei, aquela figura me olhava como quem me esperava há séculos.

- Tenho certeza que ela tem! – disse o homem dirigindo-se ao cobrador. Depois olhou pra mim e falou. – A senhora tem moeda? Dinheiro trocado?

Não respondi. Tirei do bolso as tais moedas que ele tanto esperava, paguei minha passagem e passei pela catraca.

- Deus lhe pague, moça. Eu já ia descer e o cobrador não tinha troco.

- Disponha. – respondi já caminhando para o final do ônibus.

Ele me seguiu. Acho que queria conversar mais um pouco antes de descer.

- Tô indo atender a um casal. Vou aplicar Reiki neles. Imposição de energia pelas mãos. Não toca, só mentaliza. Sabe como é?

- Já ouvi falar...

- Meu nome é Evaldo Gonzaga. Decore, moça. Evaldo Gonzaga. A senhora ainda vai ouvir falar de mim. Assista Faustão, no domingo. Se vira nos 30. Assista, viu?

- Tá certo. Vou assistir.

- Trabalho muito com Reiki. Ajudo as pessoas que estão doentes. Atendo gente no IMIP, no Barão de Lucena. AVC, leucemia, todo tipo de câncer. Eu vou lá e troco a energia com quem está precisando – disse, mexendo as mãos como quem finaliza uma mágica e vai tirar um coelho da cartola bem naquela hora. Depois continuou. – Mas a senhora sabe que eu não curo, né? Sou só o instrumento. Quem cura é Jesus. Acredita nisso?

- Acredito sim. A energia Divina com a de quem quer ser curado e você é o canal, certo?

- Isso mesmo. Vou fazer isso até o dia em que morrer, daqui a 32 anos. Vou trabalhar, depois vou dormir e morro dormindo. Mas antes, vou me casar. No dia do meu aniversário esse ano, 27 de setembro, vou conhecer uma moça com 23 anos, o nome dela começa com a letra G. Qual o nome da senhora?

Pela primeira vez ele venceu minha sobriedade e eu sorri.

- Não começa com G - respondi.

- Não? Nem tem 23 anos?

- Também não.

- A gente já está em setembro?

- Ainda não...

- Então, definitivamente, não é a senhora! – reconheceu com um leve ar de decepção. - Ela vem do interior e tem três filhos.

- Mas já? Três filhos! Tão nova...

- É que casou aos 13. Ela é linda, mas agora o marido não valoriza mais isso. Ela vem para o Recife e vai casar comigo. Vamos viver juntos até o dia da minha morte.

Ele contava a história de seu futuro cheio de certeza, como quem recorda um livro que acabou de ler. Em nenhum momento desviou o olhar, porque sabia que eu estava mesmo prestando atenção.

- E quem te contou tudo isso, Gonzaga?

- Soube agora, conversando com a senhora. Eu me pergunto coisas e as respostas simplesmente vêm. É sempre assim. Desde que a senhora entrou no ônibus, com esse óculos tão bonito, eu sabia que estava com as moedas.

- Eita. Tenho cara de pobre mesmo, né?

- Não. Tem cara não. E mesmo se tivesse. Pobre de dinheiro é rico de vida. Faço isso tudo de graça, sabe? Não gosto de dinheiro. De onde eu venho a gente não precisa dele, mas aqui, às vezes tenho que usar. – e continuou – Os dons que a gente recebe de Deus, devem ser devolvidos de graça, senão ele não gosta e tira o dom da gente.

Depois de me deixar sem palavras, Gonzaga deu um salto e olhou para a rua.

- Cobrador! Perdi a parada? É nessa, não é?

Recebeu o sinal positivo do cobrador que estava lá na frente, me olhou nos olhos e se despediu.

- Prazer em conhecer. Não esqueça de ver Faustão no domingo. Que Deus lhe acompanhe.

- Amém.

Assim que desceu, uma moça que ouviu toda a conversa comentou.

- Esse aí precisa urgente de um psiquiatra!

Eu ainda estava encantada por ter recebido de presente aquela figura numa manhã nublada e não tive outra opção senão defender meu mais novo amigo.

- Precisa nada. Ele está mais curado que todas nós. Aprendeu a ser feliz pra sempre.

- É acho que aprendeu mesmo.

14 agosto, 2007

Ciúmes


O quanto ela resistiu, ninguém sabe. O fato é que sentiu um misto de pavor e demência quando percebeu que havia entregado os pontos.

Estava de bobeira, passando o tempo na livraria quando o viu de relance caminhando entre as prateleiras. Quanta coincidência! Se soubesse o teria chamado para almoçar. Como não lembrava de nada importante para conversar, terminou de ler com cuidado a orelha do livro que tinha em mãos. Resolveu levá-lo. Antes de ir ao caixa, foi ao encontro do amigo para um cumprimento cordial.

Ele estava de costas e não a viu chegar, mas ela viu bem quando ele arrancou verozmente com o olhar a calça jeans da loira que passou na sua frente. Naquela visão, mil lembranças. Os olhares e beijos trocados sem compromisso, a insegurança, a amizade e uma ira inexplicável. Um queimor com ares de traição lhe deixou o rosto rubro e a alma com sede de vingança. A razão se despedia do seu corpo a cada passo dado em direção a ele que, no lugar do cumprimento, recebeu um beliscão.

A ira transformou-se em vergonha, que se traduziu em sorriso no rosto dos dois. Ele, porque sabia o motivo da repreensão. Ela, porque não acreditava que havia protagonizado uma cena de ciúmes. Logo com ele!

E numa fração de segundos, como quem precisa esconder-se do perigo, ela se foi. Abandonou o livro pelo caminho e saiu dali sem dar chance de qualquer aproximação. Ele continuou no mesmo lugar, a vendo ir embora e sorrindo, como quem saboreia uma conquista, grande vencedor da batalha dos sexos.

13 agosto, 2007

As aventuras de Geraldo


PARTE II

Cores, pessoas, velocidade. Assim era o Recife. O que Geraldo não esperava é que, de tão grande, a cidade já seria um mundo em potencial. Era carro e ponte que não acabava mais. “Lembra Veneza, mas faltam as barcas”. As pessoas também eram muitas e estavam sempre com pressa, esbarravam umas nas outras, mas não se enxergavam. Geraldo tentou se aproximar de algumas, elas não davam muita conversa, tinham sempre algo importante para fazer. E assim ele ficou, passeando, contemplando, encantado por, finalmente, viver uma história real, onde ele era protagonista entre tantos personagens.

No final do dia, o andarilho encolhia-se em um lugar coberto e descansava até o sol raiar. Nesses instantes de tranqüilidade e solidão, pensava como seria bom ter ainda mais experiências para contar.

Com o tempo, quando sentiu vontade de mudar de ares, o dinheiro que carregava acabou e ele não podia pegar outro ônibus. Também não tinha mais como se alimentar e começou a pedir ajuda nas ruas. Geraldo não queria voltar para casa, queria ir em frente, mas a viagem se tornava cada vez mais difícil. Foi quando adoeceu. Uma tosse que não o deixava mais dormir, muito menos sonhar. “Já tive dias piores”, pensava, tentando amenizar a dor.

Um dia, uma assistente social do posto de saúde o encaminhou à emergência do Hospital Psiquiátrico Ulisses Pernambucano, a Tamarineira, como é conhecido. Foi lá que o encontrei, durante uma pesquisa sobre saúde mental. Ele apresentou-se como Juscelino, o presidente. Eu sorri. “Oxente, Excelência, o senhor por aqui?”. Ele sorriu de volta e confessou a mentira. “Sou eu não moça, doutor Juscelino morreu. Mas eu sou mais inteligente que ele. Sei falar 23 idiomas e conheço o mundo todo. Olhe, quer que eu fale em francês?”.

Pedi que conversasse em português mesmo, porque seria mais fácil pra mim. Em poucos minutos Geraldo me contou algumas de suas andadas. Cada história vinha com um olhar diferente. Uma emoção para cada experiência vivida. Ele estava feliz. Naquele jardim imenso havia lugar demais para ele ir, além de vários companheiros de viagem dispostos a embarcar em suas fantasias. “Aqui é bom, Geraldo?”. “Aqui? Não! Bom mesmo é na Rússia. Cheguei de lá ontem”.

Tive que me despedir. Era hora da entrevista. Enquanto caminhava pelos largos corredores do hospital, percebi nos olhos de muitas daquelas pessoas que não elas estavam mesmo ali. Deveriam estar dando uma voltinha por algum lugar do mundo, um lugar mais feliz.

Na Tamarineira, não há paredes.

O fantástico mundo de Geraldo


PARTE I

Geraldo sempre foi muito esperto. Desde criança, ele lembra, prestava atenção em tudo: na conversa dos adultos, nas propagandas na televisão, nas histórias que ouvia pelo rádio. Queria aprender tudo que houvesse no mundo, por isso, preferia ficar lendo em algum lugar tranqüilo a jogar bola com os outros meninos do bairro.

Em Lagoa dos Carros, cidade onde morou a vida inteira, não havia muitos livros disponíveis. Quando ele terminou de devorar o acervo da biblioteca da escola, resolveu que leria todos novamente. “De trás pra frente agora, para ver a diferença”. E assim prosseguiu. Em seu mundo, mesmo nunca saído de Lagoa, ele conhecia Paris, Egito, Estados Unidos. E melhor! Participou das Cruzadas, das duas Guerras Mundiais, conheceu importantes faraós e foi um dos discípulos de Cristo.

Quando terminou os estudos, Geraldo decidiu o que faria da vida, e como não podia viajar pelo mundo inteiro, negociava livros usados pela cidade. Ele os carregava em uma carroça e fazia ponto no meio da praça para esperar os fregueses. Lá, passava o tempo mergulhado em suas fantasias e continuava se preparando para o dia em que faria uma longa viagem.

Todos na cidade sabiam de seus planos e de tudo que garantia já ter vivido. Alguns se divertiam com tantas invencionices e iam vê-lo diariamente só para saber qual seria a mais recente aventura do andarilho. Outros preferiam nem passar por perto da carroça para evitar serem vítimas de mais meia hora de conversa fiada.

Suas descobertas eram especialmente compartilhadas com a mãe, Dona Alva que, analfabeta, orgulhava-se de ter um filho tão estudioso. O marido havia falecido quando Geraldo ainda era bebê. Ela criou o filho sozinha e, de certa forma, fazia parte do universo encantado que ele havia projetado. No dia em que ela morreu, Geraldo perdeu sua grande companheira e, solitário, tomou a decisão mais importante de sua vida. Numa manhã de sol morno, em plena segunda-feira, ele não levou sua carroça à praça. Pegou o primeiro ônibus rumo ao Recife. Seria lá a primeira parada de sua viagem pelo mundo.

02 agosto, 2007

PAN e TAM

Estive pensando na mídia e no quanto ela é falsa demais para se deixar admirar. A gente precisa dela, a danada nos alimenta de informação e cultura, mas as doses não somos nós que escolhemos. Ela sai vomitando o assunto do momento e se a gente não tomar cuidado, acaba pensando que a vida real é aquilo que cabe dentro da TV.

Julho foi um mês especialmente interessante de ser avaliado. Pra começar, a violência. Durante mais de dois meses antes, a cidade maravilhosa que iria sediar o PAN, parecia viver uma guerra civil. A grande preocupação do governo e da polícia do Rio era garantir a segurança dos atletas, turistas e tudo mais. O pavor e a violência entravam em nossas casas pela televisão mesmo, bem na hora do jantar, todo santo dia!

Até que começou o PAN e, milagrosamente, nenhuma notícia sobre tiroteios entre traficantes e policiais no meio da rua foi divulgada durante o mês inteiro! O Rio virou uma terra feliz, comemorando a escolha do Cristo como uma das sete maravilhas do mundo, um lugar perfeito, com uma vila olímpica irretocável e humanos com dons de heróis se superando e fazendo seus paises se orgulharem. Nas favelas, nenhum tiro foi ouvido (pelo menos pela TV).

Quando o assunto medalha de ouro já estava se tornando cansativo, uma tragédia fez a imprensa salivar. O desastre com um avião da TAM voltou a dar o tom de crítica aos noticiários, e claro que a culpa era de Lula! E aí se vão mais dias e dias, entre investigações e medalhas, mas sem nenhuma vítima da guerra do tráfico.

Ontem, no jornal da noite, soube de mais novidades. Ao ouvirem os dados da caixa preta do avião, os deputados descobriram que o acidente não foi culpa de Lula, parece que o freio que fica na asa não funcionou. Caso encerrado. Na matéria seguinte, uma repórter se perguntava quantos teriam morrido durante o mês nas favelas cariocas. Os números ainda não foram divulgados pela polícia. Mas no avião da TAM morreram 199 e para quem quiser saber o quadro de medalhas do PAN, é só acessar a página da Globo, o Brasil ficou em terceiro lugar. Está tudo lá.

Acho que agora, as notícias nossas de cada dia voltam ao seu lugar.

Presentes

Foto: Catha (mãe de Davi)

As férias acabaram e eu praticamente não percebi que elas aconteceram. Duas semanas e nada novo. Nenhuma programação fabulosa, nenhuma aventura, farras quase inexistentes. Dias de puro sossego (com exceção dos períodos agitados pela energia infinita das crianças ocupando todos os lugares da casa). Mas no meio de tudo isso vivi momentos lindos e a maioria envolvendo minhas amigas.

É sempre tão piegas falar delas. Soa tão bobo, tão lugar comum... Mas é assim que sinto, como se elas fossem a grande força que me revigora, um impulso, uma alegria sem fim, a única chance de ser eu de verdade sem medo de não ser mais amada.

Perceber que os anos passam e estamos cada vez mais próximas, conforta minha alma, me dá paz. Ver os amores chegarem, as famílias se formarem, as carreiras se solidificarem, os filhos nascerem... Estar do lado na comemoração da casa nova, conhecer o novo namorado, compartilhar conquistas e perceber que agora não entendemos mais tanto assim de baladas, mas sabemos muito sobre cozinha e até sobre mamadeiras.

A gente cresceu! Agregamos, trouxemos mais gente para nossas vidas, mas sem esquecer quem está na base, quem conhece nosso segredo mais obscuro, quem nos reconheceria entre mil pessoas só pelo jeito de escrever, pelo pedido na mesa do bar, por cada uma de nossas escolhas. Às vezes nem nos surpreendemos mais, e se um dia percebemos o imprevisível, parece que o amor fica ainda maior! Com a gente, até as brigas são fantásticas, porque foi assim, batendo de frente, que ajudamos a outra a amadurecer.

Posso dizer sem medo que o melhor dia de minhas férias foi esse aí, na casa de Catha, todas juntas. As vidas cada vez mais diferentes, os destinos levando algumas para bem longe e a gente encontrando um dia no ano onde podemos ser só uma da outra, sem hora pra acabar. São esses raros encontros que me dão a certeza de que pelo menos uma coisa nessa vida é eterna.

Ai, como é ótimo ser piegas!

23 julho, 2007

Cara nova


Descobri como mexer nesse bendito blog.

Catuquei daqui

Fiz careta dali

E aqui está.

A Mack de hoje

Com muito vermelho e vida!

Pensativa

Foto: Riva Spinelli

São tantos planos, tantos segredos, tantos sonhos, que às vezes fica difícil conversar, manter contato com quem está ao lado. Aí fico assim, meio calada, criando, vivendo minhas mentiras inúteis e inconseqüentes. Partes de meu mundo alternativo, mas que em tempos de ócio parecem tomar proporções maiores e acabam superando a realidade.

Tenho tantas crenças nas quais só eu acredito e se contar, vão me achar louca. Tenho umas idéias alucinadas sobre o futuro, mas só confesso muito bêbada, aos mais amigos – aqueles que não vão deixar de me amar por causa disso e ainda vão sorrir com tamanha criatividade. Tenho uma vida inteira para ser vivida do jeito que eu quiser, como sempre desejei, com um final feliz e a chance de refazer as cenas que não ficaram boas ou deixar outras durarem até que eu canse daquele momento.

Na vida real não é assim. Essa vida onde a gente leva chuva sem querer, despela de tanto tomar sol, sai atrasada para o trabalho, acorda cedo mesmo de ressaca e o esmalte descasca na primeira vez que lavamos um prato, não dá pra ser feliz o tempo inteiro... Na minha mente, tudo é possível!

Há uns dias ando do lado de lá do mundo. Um exercício tolo, típico de quem não tem nada melhor para fazer ou de quem não quer mesmo fazer nada além de descobrir até onde essa mulher escondida em mim seria capaz de ir. Ela é tão romântica que me assusta; tão esperançosa que me lembra uma criança, sem limites, sem medos, com força para qualquer empreitada, mas pouca capacidade de execução.

Nunca soube tão bem o que ser criança desde que deixei de ser uma. Meus segredos, sonhos e aventuras impossíveis estão todos por aqui! Ah! Deixa ficar...

18 julho, 2007

Pelo mundo

Foto: Léo


Eu me encanto com tudo
Tudo que muda todo dia
Tudo que me faz diferente

Eu me encanto com cada sorriso - que é único
Com os olhos dos desesperançados
E o som que rompe o silêncio da noite

Eu me encanto com as dobras no braço da criança
e as rugas no rosto do velho
Com o tom laranja no céu de fim de tarde
E o prateado do rio que se espreme entre a cidade

Eu me encanto com tudo
Tudo que se reinventa todo dia
Tudo que me transforma.

10 julho, 2007

Bem vinda!


Já fazia uns dias, o espaço parecia menor. Maria tentava se mexer, empurrava as paredes flexíveis que a cercavam, mas não se sentia mais tão confortável. Na verdade, tudo andava muito repetitivo ultimamente, e ela já conhecia de cór aquele lugar. A mesma paisagem, as mesmas vozes conversando com ela de vez em quando. De onde viriam?

Lá em sua casa, apesar de sentir-se um pouco sozinha, Maria tinha tudo que precisava; comida abundante, sossego e aquele clima que ela adorava. Mas, com o passar do tempo, sentiu que não dava pra continuar ali. Ela queria mais.

Foi numa madrugada chuvosa que resolver arrumar as malas e ir embora. Êpa! Que malas? Maria não tinha sequer a roupa do corpo. Tudo bem... sairia nua mesmo, ninguém iria se importar. Acordou todo mundo em casa, mobilizou a família. Maria sabia o que queria, por isso fez tudo muito rápido. Veio ao mundo às 6h15 de uma nublada manhã de julho.

Quando saiu, pensou que essa idéia de aparecer nua talvez não tenha sido muito boa. Além daquele frio que nunca havia sentido, todos a olhavam admirados. A maioria estava sorrindo, mas um cara grandão do outro lado do vidro chorava sem parar. Mesmo sem entender nada, solidária, ela também chorou.

As roupas logo vieram. “Cor de rosa! Adorei!” Melhor assim. Agora estava tudo certo, bem do jeito que ela esperava. Maria pôde ver o rosto de todas aquelas vozes que conversavam com ela quando ainda morava na antiga casa de água. Pôde ver cores diferentes, sentir outras texturas. Esse mundo novo era muito melhor do que imaginava e já estava ansiosa para olhar tudo com muita atenção. Mas, só depois.

Agora, Maria queria mesmo era ficar por ali, naquele lugar fofinho que a colocaram e de onde ela podia olhar o tempo todo para o rosto emocionado da moça ao seu lado. Ela, a moça, ainda não havia dito uma palavra, mas a olhava como quem admira um balé de borboletas coloridas, como quem vê a mais rara das flores. Talvez por isso Maria sentisse por ela algo diferente, um sentimento estranho e grande demais para caber em seu pequeno coração, uma vozinha dizendo baixinho que aquela moça seria o grande amor da sua vida.

À Vanessa e Maria Júlia, com meus maiores desejos de felicidades eternas.

08 julho, 2007

Marília de Dirceu

Foto: meu amigo Léo


Marília adora comédias românticas e tem pavor a sangue em qualquer aspecto, seja ao vivo ou pela TV. Ela treme com imagens mais fortes e tem pesadelos quando se impressiona com alguma cara feia.

Dirceu adora filmes de guerra e ação. Exatamente aqueles onde ela morre de sono quando a briga se estende por mais de dois minutos. “Tão cansativo...”. Mesmo assim, entram em acordo, e são capazes de passar horas se divertindo e se emocionando com as histórias que os outros contam.

Marília adora madrugadas. Para ela, essa é melhor hora pra tudo! Conversar, beber, pensar, escrever, amar... De dia é praticamente uma inútil. Antes das 9h, de tão descoordenada, é incapaz de formular uma frase inteligente ou de sequer encaixar uma chave na fechadura.

Dirceu costuma acordar cedo, mesmo quando não tem compromissos. O sol chega e lá está ele, todo disposto a fazer o dia começar. Em compensação, sempre antecipa o término das noites e costuma pegar no sono antes de Marília ensaiar seu primeiro bocejo.

Mesmo diante de algumas pequenas diferenças, é ao lado um do outro que se sentem felizes. Outro dia – enquanto Marília estava toda perfumada, fatalmente vestida com sua lingerie mais sexy, e Dirceu roncava ao seu lado sem nenhuma cerimônia – pensava que essa é mesmo a vida que escolheria entre qualquer outra opção. Era esse o retrato de fiel de um conto de fadas na cabeça dela: paz, estabilidade, tranqüilidade, carinho.

Lenine tocava no DVD, chovia muito desde a manhã e o mormaço a obrigava a manter uma fresta da janela aberta. O travesseiro já estava úmido, o sono não encontrava um cúmplice e dava espaços para as lembranças brincarem. Lembrou do tempo que ficaram separados. Ele entregou-se à bebida, às farras e às mulheres (nada mal...). Ela caiu nos braços da loucura. Dias e noites sem um norte, madrugadas de música, embriaguês e solidão (uma merda de vida).

Talvez ele não merecesse outra chance, mas Marília achou que merecia, e deu a si mesma o presente do perdão. Assim, perdoou não a ele, por haver mentido, mas a ela própria, por haver perdido a sanidade. Pediu também perdão a Deus por tanto ter se maltratado, mal dizido e odiado, por ter fraquejado como nunca. E, quando se sentiu forte o suficiente para largar as muletas, soube que nada que não viesse de Deus a derrubaria.

E desde o dia em que o ódio vestiu de novo a roupa cor de rosa do amor, tudo mudou pra melhor. E agora, passar um dia inteiro de chuva dentro de casa e ouvir Dirceu ressonar ao seu lado na cama à noite, é exatamente o que ela espera. Ele também fez novas escolhas. Deixou de dormir embalado pelo álcool, entre pernas diferentes a cada noite, e permitiu que apenas Marília evocasse seu sono fazendo cafuné e o velasse até que o dela chegue (nada mal...).

No final, todos querem “a sorte de um amor tranqüilo”.

28 junho, 2007

À primeira vista

Foto: meu amigo Léo


Ele era moreno, quase da minha altura e apareceu ontem lá na parada de ônibus (aquela onde tudo acontece). Vi sua magreza aproximar-se. Gostei dos olhos, eram grandes, escuros e bons. Aqueles olhos ficaram marcados em mim. Tanto, que hoje me peguei tentando desenhá-los. Não consegui.

Esbocei o corpo esguio, as pernas longas, os pés descalços. Fiz um rascunho das mãos com dedos também muito longos, mas parecendo não terem lugar no mundo. Elas se mexiam sem parar e às vezes se encontravam bem em frente ao peito. Então paravam. Meu desenho, de traços precários e quase indistinguíveis, seria incapaz de traduzir o que não saia da minha cabeça.

Desde que se aproximou, diferente de minha reação habitual, não tive medo. Ao contrário, me dediquei a observá-lo em tudo. Como se estivéssemos em câmera lenta e eu não tivesse mais nada a fazer. Foi então que percebi o que tanto me chamou a atenção: o sorriso. Eu não conseguia entender porque ele sorriu pra mim. Por que havia me dado aquele presente logo depois que o ignorei? Talvez porque fosse melhor do que eu no quesito querer bem.

Dei mais uma olhada e conferi: descalço, roupas sujas, talvez 12 anos, talvez mais. Brincava entre os dedos com uma moeda de cinqüenta centavos que acabara de receber. Os dentes de cima haviam caído, os de baixo estavam pequenos e podres. Mesmo assim, logo depois de eu negar-lhe um trocado, agradeceu sorrindo e parou ao meu lado meio que sem ter pra onde ir.

Como é de praxe, o ônibus demorou a chegar e ocupei o tempo conversando com meu companheiro de espera, aquela figura que abria minha manhã de uma forma especialmente diferente. Ele mora no Alto do Pascoal. O pai foi assassinado e a mãe está desempregada. Na casa onde vive ainda cabem a avó e sete irmãos. “Não como desde ontem. Muita chuva pra conseguir trocado na rua. Hoje já deu pra sair. Com esse dinheiro dá pra comprar cinco pães. Ainda falta o café e o pão para o resto dos meus irmãos. Só volto pra casa quando tiver tudo”.

Pensei se realmente não tinha uns trocados para ele. Catuquei, catuquei. Achei umas moedas. Cinco minutos depois o ônibus chegou. Subimos juntos. Eu sentei. Ele pediu dinheiro aos passageiros, mas não conseguiu mais nada. Desceu na parada seguinte. Provavelmente nunca mais vou vê-lo.

O céu estava cinza e a chuva já havia molhado um palmo da barra da minha calça, mas, surpreendentemente, eu não estava irritada. Estava feliz por tê-lo conhecido e tinha algo mais importante com que me preocupar. O que fazer para esse menino não passar fome e mendigar até ficar adulto? Ainda não sei.

18 junho, 2007

Sexta-feira, 15

Chegar ao trabalho é sempre uma experiência única. Mesmo saindo de casa todos os dias na mesma hora e pegando o ônibus da mesma linha, há alguma novidade ao longo do translado. Hoje, por frações de segundos, perdi a primeira leva de ônibus e tive que esperar 10 minutos para que outros viessem. Dez minutos que se transformam em uma eternidade de infinitas observações.

Minha parada fica em frente a um conhecido colégio público do bairro, o EPOM, isso é ótimo, porque me ajuda a ocupar o tempo de espera olhando o comportamento dos alunos. Hoje um grupo de meninas vestindo uma blusa onde estava escrito: “Humanas – Fera EPOM 2008 saiu da escola conversando animadamente. “A gente somos iguais, Camila. Marcamo a mesma resposta!”, constatou uma delas. Acho que ela vai mesmo ficar uma fera com o resultado do vestibular 2008.


...........


Saí de casa meio estranha, meio sem saber direito porque estava indo. Essa história de trabalhar dois expedientes não me faz bem. Não sou uma pessoa feliz quando tenho a obrigação de acordar cedo e já entender de tudo, encontrar pessoas e fazer perguntas inteligentes. Ser cordial, simpática e esperta de manhã não é nada fácil (ao menos para mim). Mas preciso representar a Câmara, por isso, lá vou eu!

Hoje, em plena sexta-feira, acordei assim, meio estabanada, afim de não ser personagem, só observar. Então peguei o caderno para começar a anotar tudo enquanto o ônibus não vinha. Até que ele chegou. Eu o vi, mas não quis dar sinal de parada. Mesmo assim ele parou e abriu a porta de entrada bem na minha frente para um senhor descer.

Pensei o mais rápido que pude, guardei caderno e caneta na bolsa e subi. PEI! Meti o joelho na porta! Que dor arretada! Ainda bem que tinha um lugar para sentar lá no fundão. Quando me acomodei, fui conferir o local do acidente. Droga! A calça havia rasgado e o sangue estava aparecendo pelo buraquinho. Eca! Não dava pra chegar à Câmara daquele jeito. Logo para uma Sessão Solene do presidente! Mas eu já estava atrasada...

Resolvi ligar para lá. A Sessão ainda não havia começado e ainda por cima o dia estava lindo, seria bom aproveitar um pouquinho do sol. Então corri à loja de roupas mais próxima para comprar uma calça baratinha, mas que fizesse mais frente que aquela arrombada. Todas caras! “Eu não vou dar 50 reais numa calça se tenho dezenas em casa. Vou ficar com a rasgada mesmo. Acho que ninguém vai nem perceber”.

Pronto. Eu estava ainda mais atrasada, mas ao menos não gastei dinheiro à toa. Hora de voltar à Câmara. Oxente! O céu escureceu... “Já está chuviscando e esqueci a sombrinha! Se correr dá tempo”. Que tempo que nada! Aconteceu uma daquelas chuvas descontroladas de pingos pesados e enquanto corria, comecei a sorrir. Lá estava eu, atrasada, de calça rasgada, joelho cortado, e toda ensopada. E foi assim que cheguei à Câmara.

Enquanto tentava disfarçar o estado lastimável colocando uma maquiagem e vestindo um blazer seco, Léo chegou:

- Eita, Mack, massa o visual da calça!

- Homem, dei uma porrada no ônibus e pra completar, tomei o maior toró.

- Que toró? Choveu hoje não.

Olhei para o céu e um lindo dia de sol me olhou de volta.

- Eu não acredito!

Meu Deus... O dia está só começando!

31 maio, 2007

Previsão do tempo: nublado

Foto: Bernardo Soares

O céu nublado.
A chuva com vontade de estiar.
O vento bravo atravessando a janela, invadindo o apartamento e sacudindo as persianas.
Eu, com sono, tento dar um cochilo em plena manhã que, pra mim, continua sendo a melhor hora do dia para dormir.

As noites continuam amigas.
Talvez seja assim para sempre, independente do estado de espírito.
Feliz, sozinha, rodeada de amigos, tranqüila ou cheia de gás.
Gosto do ar silencioso da noite, dos tons de cinza e lilás nas nuvens, de ficar acordada junto com a lua, olhando a cidade.
Gosto das luzes acesas mostrando onde há vida, do mormaço das noites do Recife, de tudo que as mentes produzem quando o sol se vai.

Então me mantenho acordada.
Pensando, navegando, lendo algum novo livro, assistindo a mais um filme.
Os olhos não dão o menor sinal de cansaço.
Mas, de dia vem essa moleza, o bocejo intercalado com a espreguiçada, essa vontade de fazer nada...
Nos dias de sorte, como hoje, obedeço a vontade do corpo.

Agora, em plena uma da tarde, com a maquiagem disfarçando o rosto inchado, começo meu dia.
Mas o Recife, esse não está com a menor cara de quem começou o dele.
O céu ainda não abriu e as folhas das palmeiras do Parque 13 de Maio se acariciam de leve de vez em quando.
Enquanto o cachorro dorme espalhado na grama úmida.

Eita dia preguiçoso...

20 maio, 2007

Breve conto de amor


Lá estava ela, sentada na sala, terminando mais uma costura. Enquanto ele acabava de chegar da rua, enxugando o suor da testa antes de recolocar o boné na cabeça. Seu Basto se joga no sofá e trata de atualizar a esposa sobre as novidades da rua.

As obras do mercadinho vizinho iam de vento em popa. Os colegas mais novos já haviam deixado o currículo para tentar trabalhar por lá, seria ótimo. Para ele também, que poderia comprar tudo tão perto. O bairro já não era mais o mesmo. Não havia segurança nem para ir à esquina. “Assaltaram mais uma moça ontem bem aqui na frente de casa. Levaram a bolsa e o celular”, ele conta indignado.

Dona Lena ouve, mas não responde. Estava mesmo era pensando nas dores da perna que só faziam aumentar. Ansiosa, mal via a hora de fazer logo a ressonância da coluna para descobrir o que danado a atormentava há tantos anos. O exame era caro, mas os filhos ajudariam a pagar. “Cara mesmo vai ser a cirurgia. Será que vou ter que operar?”, ela pergunta, mudando de assunto sem nem perceber. “Se operar, vai dar tudo certo. Eu não tô bonzinho aqui, mulher? Você é muito mais forte que eu”, responde ele com ares de certeza. “Que nada”, retorna ela fazendo muxoxo.

Ele a olha, tira o boné novamente, coça os cabelos brancos e diz como quem volta no tempo. “Isso é tão braba! Bem que meus amigos diziam para eu escolher outra, que mulher pequena é uma desgraça de difícil, mas eu nunca quis saber de mais ninguém. Desde menino eu sabia que iria casar com ela”. E completou, com ares de eterno romântico. “Ela é a mulher mais bonita que já vi na vida. Acho isso até hoje, quando a vejo sentada aí, ajeitando as costuras”. “Tá certo. Tu gosta mesmo é que eu faça teu almoço!”, alfineta, novamente, Dona Lena.

O telefone toca. Uma, duas, três vezes.
- Vai atender, homem.
- Vou nada. Já ia te pagar três reais pra tu ir pra mim.
- Pois eu pago cinco e tu vai.
- Vou mesmo, e só precisa pagar dois, que é o troco dos três que ia te dar.

E nessa pisadinha, já estavam casados há 49 anos. Conheceram-se ainda crianças, enquanto corriam pelas calçadas de uma cidade pequena no interior da Paraíba. Ela, aos dez anos, usava vestidos floridos em tons de amarelo e só aparecia na rua acompanhada da mãe, indo ou voltando da escola. Tinha as pernas finas e era a menor da turma, mas seus cachos cor de ouro balançavam fácil com o vento e carregava no rosto um sorriso mais delicado e sereno que o de um bebê, como ele costuma definir até hoje.

Ele trabalhava no armazém do pai em frente à casa dela, tinha onze anos, mas ajudava entregando algumas encomendas. A vida era boa, porque além da ganhar uns trocados dos clientes, sempre encontrava tempo de fugir para uma volta de bicicleta com os amigos pelo quarteirão.

Quando cresceram e ela já ia sozinha ao colégio, ele sentiu que era hora de tomar uma iniciativa. Todos esses anos não trocaram palavra. Ele apenas a observava do outro lado da rua, enquanto ela olhava curiosa para aquele menino agitado, sempre sorridente e cercado de amigos.

No dia em que conseguiu convencê-la a aceitar uma carona em sua bicicleta, sabia que ela iria aceitar o pedido de casamento, que não demorou a acontecer. Lena e Basto casaram aos 18 anos e tiveram seis filhos. Para ela, cada gravidez era mais complicada que a anterior. A última filha foi gerada em alto risco, aos 44 anos. “Graças a Deus, todos nasceram saudáveis. Basto não cansava de fazer menino. Isso é fácil! O pior é que era para eu carregar!”, revela indignada com a injustiça imposta pela natureza.

Ao longo desses anos, como todos os casais que alcançam marca tão longínqua num relacionamento, superaram vários problemas. Ele ficou seis anos sem andar, mas recuperou-se, graças a uma cirurgia que só pôde ser feita no Recife. O tempo de recuperação foi longo, por isso resolveram não voltar à terra natal e trazer parte da família para a capital. Aqui terminaram de criar os filhos, fizeram novos amigos e começaram uma fase mais feliz de suas vidas, com mais saúde e estabilidade financeira.

No final do ano passado Seu Basto descobriu um tumor na próstata. “Foi tudo muito bom. O tumor era benigno. As enfermeiras eram ótimas. O hospital era particular. Um luxo que só vendo! O plano pagou tudo. Se não fosse aquela dorzinha da sonda eu até tinha gostado de ficar doente”, conta orgulhoso por ter vencido mais uma batalha.

Agora esperam pelos resultados dos exames de Dona Lena. Tenho certeza que dará tudo certo novamente. De todos os problemas que tiveram, nenhum inclui uma briga séria. Mas arengar... isso eles fazem todos os dias, como quem brinca de barra bandeira no meio da rua.

Para Riva, inesgotável fonte de inspiração.

14 maio, 2007

Dando as caras


Estou há um mês longe do meu blog... e só percebi isso agora, quando passei por aqui e li a data.

A produção de texto está em ritmo lento. Confirmando minha teoria de que quanto mais vivemos intensamente, menos tempo temos para escrever. Não é à toa que os textos mais fantásticos que já li são de autores depressivos, com temas sofridos. Eles têm tempo de sobra para as letras...

Florbela Espanca é a minha favorita, houve épocas em que precisava tê-la comigo em tempo integral, como uma amiga, uma cúmplice de dor. Mas não a procurei mais de duas vezes esse ano. Estamos em energias diferentes ultimamente.

Às vezes quero escrever sobre o amor. Ensaio uma ou outra frase. Paro. Temo não ter propriedade para o assunto. Acho que é isso que estou vivendo agora - o amor. Como sempre, o de sempre, mas com tantas coisas novas acontecendo...

Fatos reais. Conquistas reais. Dessas que as pessoas conseguem ver e não são apenas fruto da minha imaginação. Meu amor vive hoje o que ele sonha desde que nasceu, nem lembro quando... Talvez numa sala cheia de computadores, trocando olhares em almoços corridos ou na hora em que ouvi a voz dele no rádio do carro pela primeira vez.

Desde esse dia, quero mais. Espero, batalho, choro, sorrio, e tudo parecia não ultrapassar o meu mundo fantástico, um espaço onde ninguém nunca esteve de verdade, mas onde tudo funciona (ao menos pra mim). Agora meu amor faz parte do dia-a-dia. Ele CONVIVE!!!!

Ando tão perplexa com essa constatação, que, confesso, não estou conseguindo escrever sobre o assunto. É como se o sentimento estivesse em fase de observação, como uma criança pré-matura que você nunca sabe se vai ou não sobreviver, como uma plantinha seca em fase de recuperação. Era isso o meu amor no começo ano. É lindo, emocionante e reconfortante perceber que, depois de tanto cuidado, ele começa a ganhar independência, dar bons frutos.

Quando penso, então, em escrever sobre ele, vejo que vou usar palavras já ditas nos tempos em que não era real. E como não acho justo comparar esse sentimento novo com o antigo, vou deixando ele assentar sem o verbo, só com a vida de cada dia. Me apaixonando toda manhã. Um dia de cada vez.

E se ainda resta alguma dúvida... Sim, meninas, a vida está BOA!

13 abril, 2007

Sobre tatuagens


Eu aconselho a todos.
É tão bom fazer!
Sentir a dor.
Entender que aquele é um momento nosso, quando escolhemos uma cicatriz.

Mas antes de tudo é preciso saber o que se está marcando. Porque isso vai representar um pedaço da nossa vida, como uma queda inesquecível, ou a marca de um ato heróico...

O primeiro passo é escolher um símbolo. Algo que a gente saiba que será nosso pra sempre.

Quando eu estiver velhinha - se é que comendo tanta porcaria eu vou conseguir ficar velhinha - vou ter orgulho de ter desenhado a flor que mora em meu pescoço, e de ter marcado meu pé com um pedaço de fé, e de tantas outras marquinhas que estão maturando na minha cabeça, só esperando o dia certo pra nascer.

Depois de ter certeza que achou o traço perfeito, é hora de encarar o desafio e, claro, a dor! Sim! Dói. Doeu MUITO no pé. MUITO. Mil vezes mais que a das costas (mas essa não conta, porque foi feita em circunstâncias atípicas de dor na alma)

No primeiro dia em que olhei para a feita de fé, e a vi toda avermelhada, como uma sombra no meu pé, fiquei me perguntando se havia feito a coisa certa. Não contei pra ninguém. Guardei a dúvida só pra mim. Esperei o dia acabar, o outro chegar, e olhei de novo. Ela é linda. Combina com meus sapatos. Combina comigo. Não errei!

É, de fato, um pouco estranho ficar com tanto acesso a um desenho no corpo. Então, recomendo que a primeira tatuagem seja feita em um lugar meio escondido dos olhos, e consecutivamente, da auto-crítica. Assim fica mais fácil de lidar com ela e não nos culpar tanto nos dias em que a gente quase se arrepende de ter se marcado tão profundamente.

Quase nunca vejo minha flor. Às vezes esqueço que ela está aqui, tão perto do meu juízo. Melhor assim... O felino vem por aí. O lugar ainda é segredo - até pra mim! Ele também ainda é um grande mistério. Tá só tomando forma, ganhando vida na minha vida. Quando estiver prontinho, vem ao mundo. Na hora certa. E essa hora, a gente sempre sabe qual é.

Para Maíra. Assim, quem sabe, ela não toma coragem!

De pé novo


Não sou o tipo de pessoa que consegue as coisas com facilidade. Isso não é uma reclamação, nem muito menos motivo de orgulho, é só uma constatação. Para mim, nada vem de graça!

Não tenho sorte no jogo (exceto nas poucas vezes em que bati no bingo dos Amantes de Glória). Não tenho grana sobrando. Não tenho estabilidade emocional ou familiar. Mas, no final das contas, acabo conseguindo tudo que quero. Claro, sempre à custa de muito esforço, trabalho e persistência.

Talvez tudo isso tenha me tornado essa pessoa insana. Tão crente, mas tão crente na força do Universo, ao ponto de acreditar que minha fé é capaz de transformar não só o meu destino, mas o de todo mundo ao meu redor.

Na minha concepção, tudo que acontece tem uma razão maior. Nada é por acaso. Não há coincidências, há planos! Um plano elaborado cuidadosamente antes mesmo de nascermos, e que vai determinar o que será necessário para nossa evolução aqui na Terra. Vai ver foi na hora de fechar esse "plano de vôo" que eu mesma pedi pra lutar MUITO antes de conquistar algo.

Que seja feita a vossa vontade!

Lembro quando quebrei o pé, há cinco meses. Ninguém entende como um pé vira sozinho dentro do mar, principalmente quando a maré está abaixo do joelho! Ninguém entende... Mas eu sei que eu tinha que ficar imóvel bem naquele dia! Se não tivesse quebrado o pé, algumas pessoas erradas teriam se aproximado e, certamente, eu não teria enxergado o valor de outras. Se pudesse caminhar, teria ido a lugares errados, teria errado mais que o costume! O destino fez o seu papel (diminuindo meu ritmo) e, nessa pisadinha, ultrapassei mais uma etapa.

Semana passada, venci outro obstáculo. Lutei até o último segundo para entender o porquê de estar sendo demitida. Além de precisar do emprego - porque não tinha nada em vista - também precisava fazer justiça! Rezei. Acreditei. E depois de fazer as malas e fechar a porta, alguma coisa aconteceu e ELES mudaram de idéia.

"A menina fica!"
"Mas, como?"
"Fica. E pronto!"

E aqui estou. Na mesma sala. No mesmo computador. Com os mesmos amados amigos. Com um Diário Oficial novo a cada dois dias. No mesmo lugar. Com a mesma fé. Ou melhor, com a fé ainda maior! Tão grande que precisou ficar registrada pra sempre no corpo... Fiz no pé direito - aquele que quebrou - e tô adorando olhar pra ela todo dia, me fortalecendo ainda mais.


E a vida?

A vida continua boa, passando tranqüila, a passos mansos e incessantes.