10 novembro, 2011

DR tecnológica


Ela chega ao quarto após o banho, camisola transparente, pele hidratada. A TV ligada naquele volume onde o limite da sanidade e da paciência já foi ultrapassado. Ele, de olhos grudados – na tela.
- Tá alto, isso.
- Hein?
- A TV. Não quer baixar?
- Não, pra mim tá bom.
Ela pega o controle. Aperta o mute, decidida. Aquela vilã do amor, rainha das diversões apáticas não iria vencer. Não hoje. A noite seria dela e, assim que o silêncio se fez, agiu. Debruçou-se sobre o peito dele, começou uma lenta sessão de beijos e carinhos. Pescoço, bochecha, nariz, boca. Ele boceja.
- Ah, ok, entendi. Eu desisto. – e deitou de volta, resignada.
- Que foi amor? – perguntou o olhar mais inocente do mundo.
- Que foi? Nada de mais. Só um bocejo em pleno beijo chato.
- É porque já é tarde. Não tá com sono?
- Não. Na verdade eu pensei em fazer uma coisinha diferente hoje, só para variar. Mas se depender de você, né?
- Nem vem. Eu sempre tô a fim. Você é que...
- Sempre? – agora o som alto vinha dela. E na semana passada quando vim toda animada te enchendo de beijos. Você deu uns suspiros e quando eu achava que o negócio ia ficar bom, vem um ronco. Um ronco!
- Mas ronco é involuntário.
- Sei. E levantar a cabeça para eu não atrapalhar o filme também é involuntário?
- Que filme? Quando foi isso? – ainda se perguntava o maior dos inocentes.
- Há duas noites. Cheguei, você tava assistindo a Star Wars. Na hora que deitei no teu peito para te dar um beijo, foi logo esticando o pescoço para não perder a cena.
- Ahhhh... devia ser uma que eu ainda não vi.
- Não viu nem na décima vez que assistiu?
- Esse negócio de ver o filme e ler a legenda é muito complicado. Notou que naquele dia eu coloquei o áudio em português?
- Não. Nem reparei.
- Mas você desistiu muito fácil. Fraca!
- Ah, sou. Principalmente quando sou derrotada por Anakin.
- O que faltou foi a técnica certa.
- Qual? Posso saber?
- No lugar de beijo, você deveria pegar direto no sabre de luz. Na mesma hora ele acende e faz uómm.
- Assim? – ela pegou. Mas cadê o uómm?
- Tenta de novo.
- Uómm. Uómm? Uóóómmm? Nada. Não acende.
- Deve ser a bateria fraca.
- E gastou onde que eu não vi?
- Um desgaste natural, muito uso. Nada recente, eu juro.
- É... até onde eu me lembro ele até funcionava direitinho. Mas parece que o sabre e o Jedi já eram.
- Não... Estão só passando um tempo no hiperespaço.
- Ok. Mas enquanto isso, eu faço o quê antes de dormir?
- Sei lá. Escreve um conto.

16 outubro, 2011

Mais perto


"Volta a escrever"... - ele pede.
Minha alma cheia de ideias soltas responde. "Qualquer dia desses"
Até lá, fica tudo aqui, misturado, fazendo eco enquanto encontra uma forma de sair.
Mais cedo ou mais tarde elas vencem.
Ah, as palavras...

15 outubro, 2011

Da série definições


"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica:
fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro".
Clarice Lispector
...

Blog farsa. Cheio de pedaços que não são meus - mas poderiam.

13 outubro, 2011

O que NÃO sou


"Não ofereço perigo algum: sou quieta como folha de outono esquecida entre as páginas de um livro, sou definida e clara como o jarro com a bacia de ágata no canto do quarto – se tomada com cuidado, verto água limpa sobre as mãos para que se possa refrescar o rosto mas, se tocada por dedos bruscos, num segundo me estilhaço em cacos, me esfarelo em poeira dourada. Tenho pensado se não guardarei indisfarçáveis remendos das muitas quedas, dos muitos toques, embora sempre os tenha evitado aprendi que minhas delicadezas nem sempre são suficientes para despertar a suavidade alheia. Mesmo assim, insisto..."
Caio Fernando Abreu