28 junho, 2007

À primeira vista

Foto: meu amigo Léo


Ele era moreno, quase da minha altura e apareceu ontem lá na parada de ônibus (aquela onde tudo acontece). Vi sua magreza aproximar-se. Gostei dos olhos, eram grandes, escuros e bons. Aqueles olhos ficaram marcados em mim. Tanto, que hoje me peguei tentando desenhá-los. Não consegui.

Esbocei o corpo esguio, as pernas longas, os pés descalços. Fiz um rascunho das mãos com dedos também muito longos, mas parecendo não terem lugar no mundo. Elas se mexiam sem parar e às vezes se encontravam bem em frente ao peito. Então paravam. Meu desenho, de traços precários e quase indistinguíveis, seria incapaz de traduzir o que não saia da minha cabeça.

Desde que se aproximou, diferente de minha reação habitual, não tive medo. Ao contrário, me dediquei a observá-lo em tudo. Como se estivéssemos em câmera lenta e eu não tivesse mais nada a fazer. Foi então que percebi o que tanto me chamou a atenção: o sorriso. Eu não conseguia entender porque ele sorriu pra mim. Por que havia me dado aquele presente logo depois que o ignorei? Talvez porque fosse melhor do que eu no quesito querer bem.

Dei mais uma olhada e conferi: descalço, roupas sujas, talvez 12 anos, talvez mais. Brincava entre os dedos com uma moeda de cinqüenta centavos que acabara de receber. Os dentes de cima haviam caído, os de baixo estavam pequenos e podres. Mesmo assim, logo depois de eu negar-lhe um trocado, agradeceu sorrindo e parou ao meu lado meio que sem ter pra onde ir.

Como é de praxe, o ônibus demorou a chegar e ocupei o tempo conversando com meu companheiro de espera, aquela figura que abria minha manhã de uma forma especialmente diferente. Ele mora no Alto do Pascoal. O pai foi assassinado e a mãe está desempregada. Na casa onde vive ainda cabem a avó e sete irmãos. “Não como desde ontem. Muita chuva pra conseguir trocado na rua. Hoje já deu pra sair. Com esse dinheiro dá pra comprar cinco pães. Ainda falta o café e o pão para o resto dos meus irmãos. Só volto pra casa quando tiver tudo”.

Pensei se realmente não tinha uns trocados para ele. Catuquei, catuquei. Achei umas moedas. Cinco minutos depois o ônibus chegou. Subimos juntos. Eu sentei. Ele pediu dinheiro aos passageiros, mas não conseguiu mais nada. Desceu na parada seguinte. Provavelmente nunca mais vou vê-lo.

O céu estava cinza e a chuva já havia molhado um palmo da barra da minha calça, mas, surpreendentemente, eu não estava irritada. Estava feliz por tê-lo conhecido e tinha algo mais importante com que me preocupar. O que fazer para esse menino não passar fome e mendigar até ficar adulto? Ainda não sei.

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