31 maio, 2006

As baixelas

Ando pensando em recomeços

Já fiz isso tantas vezes, que perdi a conta. Mas essa será a primeira em que ele acontece sem a minha vontade. Acabo de me dar conta de ter sobrevivido a um grande furacão. O danado derrubou minha casa, me arrancou pedaços e o corpo ainda dói - reflexo da faxina nos destroços. Mas estou aqui, no meio da rua, trazendo na bagagem o que restou, esmolando afeto e teto, sem saber qual o próximo passo. Me vendo nessa situação, percebo ser essa a hora de recomeçar, planejar onde estacionar, e escolher o lugar para guardar as malas e voltar à vida. Não será a primeira vez.

Desde criança, moro à conta-gotas. Deixo mudas de roupas em casas de amigos, parentes, namorado. Meu humor e carência ditavam onde iria ficar por aquela noite, semana, mês ou ano. Nenhum lugar teve meu jeito, nunca tive um quarto, vivi de encaixes. Não foi ruim.

Cada chegada era uma conquista. A felicidade de fazer parte da história de mais uma família, a satisfação de compartilhar novos sonhos, levar alegria a outro lar. Cada mudança, um recomeço, uma nova oportunidade de fazer as malas, deixar um pedaço de mim e levar as lembranças de meus companheiros.

Não sei quanto de mim larguei para traz em cada partida. Às vezes achava que estava levando coisas demais; em outras, preferi não pegar nada. Eu sou a soma desses pedaços roubados, esquecidos, colados em mim ao longo da estrada. Retratos, músicas, caixas, vestidos, se renovam em cada porto. E lá vou eu para mais uma viagem.

Hoje, passada a angústia da mais recente partida, dei por falta das baixelas de vidro. Lembro que ia guardar, mas eram frágeis, pesadas, e preferi deixar para o final. Acabei pondo coisas demais na mala. Para cada objeto recolhido, mais uma parte de mim ficava pelos cantos. Levei quase tudo. Deixei minha história e as baixelas. A história, não tenho como recuperar. Os vidros não me farão falta.

Carrego o suficiente. Já posso recomeçar.

25 maio, 2006

Melancolia


A cabeça vazia, de tão cheia.
Tempo amargo, boca seca,
embate de mim, entrave.
Eu, melancólica.
A primeira a acordar dos sonhos.
De castelo de nãos, no reino da espera.
Melancólicas frustações; sadismo e acidez.
Batendo o mesmo prego em espumas, os olhos irritados.
Eu, tola e intolerante.
Agora, sem pressa; sem pressão.

Vagando na rua em noites de chuva
Sem porto, sem abrigo.
Eu, arrogantemente ridícula e muda.
Incógnita, indecifrável, oculta.
Sorriso escondido por trás de palavras caladas.

Olhar desviado, temendo ser lido.
Eu, sem eu.
O caos buscando a luz.
Mas ainda escrevendo...