27 março, 2009

De olho


Ontem de madrugada, enquanto votava sem parar no site do Big Brother, parei para pensar que merda era aquela que eu andava fazendo. (Parei em termos, não é, já que continuei votando enquanto fazia minha autoanálise).

Desde a primeira edição, não posso negar, o BBB é parte da minha rotina. Eu preciso estar em casa a tempo de assistir ao programa, e posso sair tranquila depois que Bial se despede. Na hora h, concentração total. Nada de conversas paralelas sobre assuntos sérios e relevantes. Importante mesmo é saber se o casal do momento já fez as pazes ou se mais alguém brigou feio com um colega da casa.

O que isso interfere na minha vida?

Em nada! Mas não consigo podar meu interesse, nem negar o quanto me divirto diante da TV.

BBB é melhor que novela das oito e o motivo é óbvio: eu posso participar!

Ele não é só um jogo onde 14 pessoas concorrem a um milhão. É um jogo para analisar quantos brasileiros são capazes de esquecer os seus problemas e a própria vida, para acompanhar as futilidades diárias de uma galera que está confinada e livre das obrigações sociais.

Ver o Big Brother é entrar um pouquinho naquela casa, pensar na possibilidade de, tal como eles, tirar férias do mundo. Fazer nada, olhar o tempo, beber e dançar até cair, se irritar com bobagens e pequenices, enquanto a vida real só traz grandes desafios.

E pra completar a maravilha, eu voto! Além de fantasiar como seria estar lá, eu posso escolher quem deve ficar. Então, o voto em cada paredão se torna quase uma obrigação, já que eu entendo tudo de BBB e estou apta a julgar quem merece ganhar tanto dinheiro fácil!

Talvez essa seja a grande sacada desse programa "dos infernos", a possibilidade de julgar o outro sem prejudicá-lo de verdade. Afinal, tirá-lo da casa é só tirá-lo do jogo, e qual o problema em sair se euzinha sequer entrei?

Por mais fútil que pareça, um pouquinho de Big Brother não faz mal a ninguém. E, confesso, já perdi o sono pensando o que eu vou fazer daqui a 11 dias, quando o programa acabar...

20 março, 2009

Opaco


Sem amor, eu murcho.
Planta esquecida, secando de sede sob o sol.
Tecido sem brilho, folhas caídas.

Sem ele, eu sangro.
Sou corpo rasgado, arrancado os pedaços
Agonizando, pedindo para tudo acabar - oras, logo de uma vez!

Sem amor, me perco.
Caminho sem norte, olhos vendados.
Luz apagada na alma, pernas fracas, palavras incompreendidas.

Assim, desapareço.
Apago aos pouquinhos, deixo de ser.
E não ser, há de ser algo bem estranho para um ser vivente.

16 março, 2009

De sol a sol

Foto: Riva Spinelli



Sou viciada em praia. Basta ver que o dia vai ser de sol, pra ficar igual criança tentando convencer Riva a me levar. Mesmo não estando afim, ele é quase sempre vencido pelo cansaço, e me dá de presente um dia de calor, caldinho e raspa-raspa.

O lugar é sempre o mesmo, no Pina, onde o movimento é mais tranquilo. Escolhemos duas cadeiras com cara de resistentes, um guarda-sol simpático e nos acomodamos. Aí, é só olhar as esquisitices dos outros e inventar o que comer. E como eu como!

São tantos caldinhos, ovinhos, picolés, queijos, abacaxi cortadinho (ai, delícia!), que a gente até já fez amigos comerciantes. Gente feito Tião, o gordo do caldinho e o tunisiano, que atravessou o oceano para morar em Brasília Teimosa e ter uma vida melhor.

Um povo trabalhador, que não se deixa abater pelo sol torrando a moleira e queimando ainda mais a pele grossa e escurecida. Uma gente sempre com uma graça a dizer, uma história nova e um sorriso no rosto. São eles e o barulhinho das ondas que, juntos, fazem da praia o melhor dos programas.

Semana passada minha alegria, por pouco, não foi por água a baixo. A prefeitua resolveu tirar, de uma hora para outra, todos – sim, eu disse todos – os ambulantes das praias do Pina e de Boa Viagem. Ou seja, nada de cadeiras na areia, ovo de codorna, queijo coalho, caldinho de peixe e feijão.

Tirar os vendedores da praia é como tirar a própria diversão.

Sim, porque a gente já não pode tomar banho de mar, por causa dos tubarões; também não pode ficar se bronzeando fora do guarda-sol, por causa do câncer de pele; e aí dizem que a gente tem também que abrir mão dos nossos petiscos e ficar um dia inteiro sem comer, sem mar e morrendo de calor.

Agora, diga, quem mais iria à praia nessas condições?

Definitivamente, perdi a vontade... Assinei minha demissão praiera.

Até a prefeitura (que, até onde eu sei, é popular) perceber que havia tomado uma péssima decisão e resolver mandar meus colegas de volta ao trabalho.

Ontem estive lá para conferir se tudo está mesmo no lugar, e adorei o que vi. A praia cheinha. Do jeito que eu gosto! Aquele buruçu de gente colorindo a areia. Os meninos com as pipas, outros jogando bola, o biquine fio dental mostrando até o que não merece ser mostrado e, por toda parte, vendedores felizes.

Comprei o caldinho de peixe de Dona Francisca. O picolé Milet do senhor politizado que reclama do aumento dos preços e da queda nas vendas. O ovo de codorna e o amendoim do rapaz simpático, satisfeitíssimo com a regularização do seu trabalho.

- Vai ser bom agora, né? Vamo até ter farda...

Verdade. No calçadão, os comerciantes fazem fila para se cadastrar.

Conferido o território, voltei para casa, de coração tranquilo e barriga cheia. Tudo de volta ao normal na minha praia preferida.


12 março, 2009

Autoterapia


É como uma cena de filme de ação. Aquela de Matrix. Eu sozinha, sou o Neo, afim de ficar em paz e seguir o meu destino, quando acabo surpreendida por um inimigo que tem sempre a mesma cara e não para de se multiplicar. Renasce dele mesmo para me enfrentar. Sozinha.

Enfraquecê-los e derrubá-los, um a um, é a única coisa a fazer. Um trabalho diário e cansativo, carente de vigilância e força de vontade.


Realizá-lo é motivo de orgulho e, sim, paz, muita paz ao perceber que estou vencendo a batalha contra minhas neuroses e medos infindáveis.


Quando sinto que o ciúme, a maldade, a mentira, o passado e o futuro, o medo, a solidão, a falta de expectativas - mestres do meu tormento - estão levando uma surra da minha capacidade de viver o presente.


Esse é o grande segredo (descobri há pouco). Manter a cabeça ao lado do corpo, vivendo as alegrias e os problemas de cada dia. Assim, tudo é leveza. Parar para pensar no futuro é como ser ferida de guerra e perder a luta.


Sonho acordar sem medos, me livrar de tantas sequelas, ser sã, equilibrada, justa comigo mesma. Uma mulher melhor, como estas que andam pela rua, mas eu desconheço.


E enquanto esse dia não chega, sigo a peleja de cada dia. Um coração ansioso por paz, brigando sozinho contra um ego doente.

02 março, 2009

Sabor de saudade

Foto: mainha



Boas surpresas me trazem os sentidos.
Olfato, visão, paladar me levam aos melhores recantos da memória.
O reencontro com a foto de uma menina levada fazendo travessuras com a prima na cozinha da avó.
O perfume usado na adolescência e ganho de presente aos 30 anos.
A reedição de uma saia balonê usada duas décadas depois, mostrando as mudanças no contorno da menina, agora mulherão.
Hoje tive um desses encontros inesperados num self service.
Lá estava ela, tímida entre tantas outras travessas mais vistosas.
A quiabada da minha infância.
Um prato raro lá em casa, só feito em dias especiais, quando minha avó queria agradar ao filho.
A panela de alumínio amassada nas bordas, carregada com risco por um velho cabo preto, era o primeiro sinal de que o almoço teria um cheiro diferente.
Sim. Só o cheiro. Porque a iguaria não era pra qualquer bico. Os netos de Dona Carmelita nem sonhavam em provar a “quiabada de Inaldo”.
Voinha preparava só um pouco, o suficiente para matar a fome do primogênito. Ela e mainha até arriscavam salpicar um pouco do molho por cima do feijão. Nós, jamais!
Hoje, olhando a travessa no restaurante, lembrei de meu tio que já não almoça mais conosco. De suas infinitas passadas pela beira do fogão para beliscar a comida ainda na panela. De como sentava, numa pose só dele, sozinho à mesa (mais um cuidado de minha avó, para garantir que o almoço de seu amado não seria perturbado pelas crianças).
Depois que ele se foi, lá em casa não se fez mais quiabada, nem dobradinha, nem nada que nos levasse à saudade.
Por isso, parei em frente à travessa sem saber se deveria ou não comer. O prato era dele. Mas resolvi me dar o direito de matar a curiosidade e conhecer o gosto de algo tão importante.
Com a quiabada no prato, misturada ao molho do feijão, almocei hoje ao lado de tio Inaldo. Dividi com ele um sabor novo: de uma saudade que nunca vai acabar.