28 junho, 2008

Ê, Bahia...


Para mim, acaba aqui qualquer rivalidade entre recifenses e baianos. Esgoto todas as rixas e deixo apenas as semelhanças.

Há dez anos pisei pela primeira vez em solo baiano, mas não tive interesse nem maturidade para avaliar quem era aquela gente de pele escura e carne dura. Invadi o espaço sem a menor cerimônia. Entrei e saí sem pedir licença - erro comum na adolescência. Guardei na lembrança as intermináveis ladeiras, a farra sem limite e as ruas largas.

Dessa vez foi diferente. Cheguei querendo entender por que o baiano é tão amado mundo a fora. Descobri. Porque são gente de família, trabalhadora, educada e com uma pitada de malandragem no tempero.

Minha passagem não pôde ser discreta. Carregava nas costas uma mochila enorme, atrapalhando o fluxo e denunciando o turismo. Mesmo assim, ninguém se importou. Ao contrário, sempre que possível, ajudaram com a bagagem, tornaram o fardo mais leve, e poucos perguntaram de onde eu era.

Me misturei aos rostos tão parecidos com os de todo dia, e se não fosse pelo olhar curioso e deslumbrado a cada descoberta, teria passado desapercebida na multidão que anda de ônibus, desvia dos carros e se espreme no elevador Lacerda.

A Bahia tem a maioria das coisas que me encantam no Recife, mas com um detalhe: elas são somadas. As construções são ainda mais antigas, a história mais bem preservada, as cores mais vivas, as praças mais verdes. Mais misticismo, igrejas, museus, estrutura para o turismo e, de brinde, plena receptividade.

Fomos tratados com todo carinho, bem acolhidos por um povo feliz e solícito. Uma gente sem segredos, de gestos e olhares transparentes, de muitas palavras, conversa e riso solto. Bem do jeitinho que eu gosto, mas, confesso, não esperava.

Achei que o bairrismo mútuo pudesse macular nossa relação, e fui surpreendida da melhor forma possível. Na capital ou nas ilhas, do canto mais badalado ao mais tranqüilo. O lema é um só: receber bem, cuidar do outro, sorrir e falar. Falar muito e alto, como se a vida só tivesse graça se levada ao extremo.

Por isso, tamanho encanto e a sensação do plano ter saído melhor que a encomenda. Lembro da resistência de Riva quando sugeri irmos à Bahia no feriado. “É um lugar especial. Você não pode morrer sem passar por lá”, argumentei. Não sei se a retórica valeu de alguma coisa, mas uma semana depois as passagens estavam compradas e vivemos uma bela viagem com ares de lua-de-mel.

A cada instante, um sorriso arrancado pelo esplendor de um inesquecível pôr-do-sol, de uma fortificação em ruínas, do céu mais estrelado do mundo em noite que falta luz.

Do São João de verdade o feriado não teve quase nada. Só alguns fogos e arrasta pé num arraial de Morro de São Paulo. Mas não me arrependo da troca. Os dias valeram para quebrar preconceitos e me apaixonar por mais um lugar com alma romântica e que mal vejo a hora de visitar de novo.


Fotos: Riva Spinelli

25 junho, 2008

Sem medo de avião




Comparado aos demais, esse nem era assim tão grande. Um simpático 737 estava lá, pronto para me receber. Entrei pelo tubo e senti um leve frio na barriga. Não era medo, mas poderia ser comparada à sensação de estar na fila da montanha russa.

Entrei feliz. Sentei à janela. Fiz tudo do jeito que a voz mandou. Segurei na mão de Riva. O temor da decolagem logo se transformou em euforia. Bati os pés. Sorri alto. Quase grito.

Pirei com a textura das nuvens. “Parece geleira”. “Será que dá pra pegar?”. Só depois percebi o quanto as perguntas soavam infantis quando ditas por uma mulher feita. Mas ali tudo tinha ares de novo e nesse assunto sou mesmo uma criança. E lá estava eu, menina, desafiando a gravidade, aconchegada dentro de um troço que pesa toneladas e, mesmo assim, atravessa tranquilamente o céu.

Seis e meia da manhã. O leve balanço parecia tentar me ninar. Mas resisti. O tempo era curto e gastei me admirando com cada detalhe. As figuras que nasciam nas nuvens, o Rio São Francisco, as cidades vistas na proporção de uma maquete. Tudo era motivo para surpresa e, claro, fotos! Muitas fotos.

Até que o destino apontou no horizonte. Salvador. O gigante de ferro apontou o bico para baixo e passeou pela Bahia até aterrissar no Aeroporto Luiz Eduardo Magalhães.
Fim de texto. Fim de minha primeira viagem de avião.

13 junho, 2008

Santo Antônio


Eu pedi numa oração
Ao querido São João
Que me desse um matrimônio
São João disse que não!
São João disse que não!
Isto é lá com Santo Antônio!

Eu pedi numa oração
Ao querido São João
Que me desse um matrimônio
Matrimônio! Matrimônio!
Isto é lá com Santo Antônio!

13 de junho


Para mim, por muitos anos, esse foi o dia de seguir as tradições e bater um papo sério com o santo casamenteiro. Na maioria das vezes rolava uma tensão na hora de fazer as simpatias. Algumas nunca faltavam.

Começava com os pingos de vela num prato branco. Eles caiam enquanto eu rezava e depois era só esperar até se juntarem e formarem uma letra. Resultado: a cada ano, um novo símbolo surgia na minha frente. Impossível decifrar uma letra daquilo. Esclarecimento zero!

No final da noite, antes de ir dormir, preparava a derradeira mandinga. Uma bacia de alumínio no sereno cheia de papeis dobrados boiando na água. Em cada um, o nome de um homem. Não precisava nem ser conhecido. “Pode ser que vocês ainda não tenham se cruzado”, explicava minha avó. No dia seguinte, mais decepção, pelo menos metade dos papéis estavam abertos. Afinal, com qual deles seria?

Mas minha preferida era a da aliança amarrada a um fio de cabelo. Aí vai rezando a Salve Rainha até a parte do “nos mostrai” e completa com “quantos anos faltam para eu me casar”. A resenha começava na hora de escolher a aliança. Já usei a de minha avó, da minha mãe e até a minha própria, quando já estava noiva. A cada tentativa, um susto.

Teve um ano em que a danada bateu duas vezes, fiquei toda feliz. Estava perto! Aí fiz no ano seguinte pra conferir que ia dar só uma batidinha. Danou-se. A bendita aliança parecia uma barata tonta a circular pela borda do copo. Girou e bateu tanto que cansei de esperar ela parar. Tirei do copo sem medo nem cerimônia. E comecei a pensar o que havia feito de errado durante o ano para acabar com o meu próprio casamento. Tentei ser uma menina melhor. A noiva perfeita. Quem sabe a sorte não me sorria novamente?

No outro ano, a pior das experiências: a aliança não se mexeu. Ficou lá, paradona... A mão chega deu câimbra e nada do cabelo dar sinal. Até assoprei de leve. Nada! Foi aí que desisti de perguntar a Santo Antônio quanto tempo falta para eu me casar. Meses depois, coincidência ou não, terminei um relacionamento que já durava onze anos.

De lá para cá, devota e afilhada que sou do santo, já pintei e bordei com a imagem dele. Esqueci por meses embaixo da cama, coloquei de cabeça para baixo dentro de copo d’água, da geladeira, escondi o menino Jesus... Mas também já tratei a pão-de-ló, acendi velas, fiz novenas. E hoje, apesar de ser uma “amancebada” muito feliz, não me casei de fato.

Talvez tenha sido por isso que nunca consegui entender nadinha do que o santo tentou me dizer todas as vezes que perguntei. Às vezes ele não dá aquilo que a gente pede, mas dá um jeitinho de arrumar o que a gente precisa.