18 julho, 2006

De luto


O que fazer senão chorar a morte de um amor?

A morte do meu amor eu choro com desespero e convulsão. Arranco cabelos, rasgo a pele, grito alto pra pôr pra fora toda a dor (porque por algum lugar ela há de sair).

Na morte do meu amor, meu corpo estremece solitário, vaga sem norte, como quem ainda procura o velho porto seguro. Olho o cadáver do ser amado, acaricio seu rosto, mas seu semblante não mais se ilumina com meu carinho, nem seu corpo se arrepia ao meu toque. Então, desisto, volto a chorar. De todos os meus poros saem lágrimas. A alma precisa ser limpa, a pele, lavada.

Tudo no mundo é finito, exceto as histórias de amor. Elas permanecem, mesmo quando ele, o próprio amor, já foi. Histórias sobrevivem em detalhes que não conseguem ser esquecidos, em cheiros, em músicas, em lugares, no pôr-do-sol, na lua cheia, num sabor, no brilho do olho direito. E quando não há mais o que escrever, além de “fim”, há de se chorar. Deixar todos os sentidos penarem pela ausência de novos capítulos, até se acostumarem com o inevitável: é preciso começar de novo. Outra história. Outro amor. Sim, e claro, outro fim.

Qualquer dia desses, com o corpo erguido e o rosto limpo, inicio outro livro. Hoje não. Ainda não. Hoje eu só quero chorar bem alto essa saudade que acelera o coração e dá uma fisgada na coluna a cada lembrança. Quero ser criança assustada, com medo do escuro. Quero fazer manha, pedir colo, dizer que não sei para onde ir.

Quero chorar a morte do meu amor como quem chora o fim da minha ilusão, da minha derradeira alegria, da minha própria vida. Pra um dia, breve, ainda no inverno, minha alma serenar e musicar alguma coisa mansa, lembrando que o amor passou, mas eu fiquei.