13 agosto, 2007

As aventuras de Geraldo


PARTE II

Cores, pessoas, velocidade. Assim era o Recife. O que Geraldo não esperava é que, de tão grande, a cidade já seria um mundo em potencial. Era carro e ponte que não acabava mais. “Lembra Veneza, mas faltam as barcas”. As pessoas também eram muitas e estavam sempre com pressa, esbarravam umas nas outras, mas não se enxergavam. Geraldo tentou se aproximar de algumas, elas não davam muita conversa, tinham sempre algo importante para fazer. E assim ele ficou, passeando, contemplando, encantado por, finalmente, viver uma história real, onde ele era protagonista entre tantos personagens.

No final do dia, o andarilho encolhia-se em um lugar coberto e descansava até o sol raiar. Nesses instantes de tranqüilidade e solidão, pensava como seria bom ter ainda mais experiências para contar.

Com o tempo, quando sentiu vontade de mudar de ares, o dinheiro que carregava acabou e ele não podia pegar outro ônibus. Também não tinha mais como se alimentar e começou a pedir ajuda nas ruas. Geraldo não queria voltar para casa, queria ir em frente, mas a viagem se tornava cada vez mais difícil. Foi quando adoeceu. Uma tosse que não o deixava mais dormir, muito menos sonhar. “Já tive dias piores”, pensava, tentando amenizar a dor.

Um dia, uma assistente social do posto de saúde o encaminhou à emergência do Hospital Psiquiátrico Ulisses Pernambucano, a Tamarineira, como é conhecido. Foi lá que o encontrei, durante uma pesquisa sobre saúde mental. Ele apresentou-se como Juscelino, o presidente. Eu sorri. “Oxente, Excelência, o senhor por aqui?”. Ele sorriu de volta e confessou a mentira. “Sou eu não moça, doutor Juscelino morreu. Mas eu sou mais inteligente que ele. Sei falar 23 idiomas e conheço o mundo todo. Olhe, quer que eu fale em francês?”.

Pedi que conversasse em português mesmo, porque seria mais fácil pra mim. Em poucos minutos Geraldo me contou algumas de suas andadas. Cada história vinha com um olhar diferente. Uma emoção para cada experiência vivida. Ele estava feliz. Naquele jardim imenso havia lugar demais para ele ir, além de vários companheiros de viagem dispostos a embarcar em suas fantasias. “Aqui é bom, Geraldo?”. “Aqui? Não! Bom mesmo é na Rússia. Cheguei de lá ontem”.

Tive que me despedir. Era hora da entrevista. Enquanto caminhava pelos largos corredores do hospital, percebi nos olhos de muitas daquelas pessoas que não elas estavam mesmo ali. Deveriam estar dando uma voltinha por algum lugar do mundo, um lugar mais feliz.

Na Tamarineira, não há paredes.

Um comentário:

Dante Accioly disse...

Que história deliciosa!