04 agosto, 2009
Cidade do sol
E todo meu conceito de violência se transformou.
Os ladrões no sinal nem são mais tão assustadores.
Meu salário não é nada mau.
Não me sinto tão insegura na rua.
Na cidade do sol onde nasci, tenho a chance de ter uma vida melhor.
Posso ir onde quiser.
Escolher minha roupa, meu destino, meu alimento.
Posso falar alto, reclamar, decidir.
Posso tudo.
E nessa manhã, quando o choro pela dor do outro não pode ser contido, só consigo agradecer a Deus por ser brasileira e viver em paz na minha cidade do sol.
14 julho, 2009
Meu diário
Se reinventou, escreveu novas histórias.
Se perdeu no tempo.
Não coleciona mais nada além das lembranças.
Não tem medo de ficar sozinha. E até gosta da idéia.
A menina se foi.
Tanta insegurança, tantas pequenices esquecidas numa folha velha cheirando a mofo.
Resolveu guarda-la só por segurança.
Com receio de ir tão longe ao ponto de perder a si mesma.
É preciso lembrar.
A menina passou por ali.
Aquela que morreria de velhice aos 30 anos.
Que iria casar com o primeiro amor.
Que seria veterinária e teria duas filhas.
Que teria empregada, por não saber cozinhar.
A quietude não mudou.
E assim, quieta, como quem passeia, ela caminhou para longe...
Para onde vai a menina?
29 junho, 2009
Inteira
26 junho, 2009
De mansinho
Viveu sob holofotes.
Morreu em silêncio.
Sozinho.
O coração parou.
O corpo cansou.
De se reinventar todo dia.
De querer sempre mais.
De se maldizer.
Entregou-se.
Despediu-se calado.
Sem alardes, dessa vez.
O show terminou.
E lá se foi mais um pobre coitado.
Que teve a chance de fazer a coisa certa.
Mas não entendeu...
O tempo acabou.
A luz apagou.
O astro partiu.
A lição não compreendida está no quadro
para todo mundo ler.
21 junho, 2009
Sai amargo entra doce
embrulhado num papel brilhante
Regalo de riso fácil.
Alegria nas coisas pequenas.
Dente dormente. Coração quente.
Coceira nos ossos e cotovelo.
Bom humor que faz rir até chorar
lágrimas grossas, vastas, pesadas.
Depois vê ácaro virar planeta pela fresta no quarto.
circulando velozes e reluzentes no universo.
Respirar. Ofegar. Entupir.
Lá se foi meu nariz e, com ele, a euforia.
Ficou o verbo: "nós precisamos"
desaparecendo aos poucos sem nunca acabar.
E no abraço amigo, o esperado sono chegou.
A mente inquieta pede descanso e adormece verbo
conjugado até o amanhecer.
19 junho, 2009
Sem méritos
Agora todo mundo pode ser jornalista.
Eu que não sei se quero mais ser.
- Só um advogado poderia fazer tamanha sacanagem com outro profissional.
05 junho, 2009
Mau dia
22 maio, 2009
Liberta
Lá vinha ela, descalça, cigarro aceso na mão, caminhando sem pressa sob a garoa que fazia brilhar a calçada da Rua da Aurora. De repente, desvia do caminho e sobe para o canteiro. Segura o cigarro na ponta dos lábios e, sem sequer olhar para os lados, baixa o short e se acocora à beira do Capibaribe.
Que cena!
Aquela bunda magra me encarando desafiadora, e eu lhe devolvendo um olhar incrédulo, vendo o xixi descer em jato entre suas pernas para depois de misturar à grama verdinha que cerca o rio.
Como o negócio demorou, a mulher deu mais um trago no cigarro. Tudo certo por ali.
Na rua, olhares abismados e comentários em sussurros a culpavam pela sujeira na cidade. Não me misturei às vozes. Só conseguia olhar, com um sorriso no canto da boca e pensar sobre liberdade.
Ela fez xixi à beira do Capibaribe!
Fez uma coisa que eu bem queria ter feito, mas não posso, por ser moça bem criada, instruída e de boa família.
A mulher descalça tem algo que eu não tenho e, sem saber, cheguei a ter medo dela.
O medo passou.
Subi no ônibus e a deixei ali, de cócoras, admirando o rio enquanto fumava um cigarro.
Definitivamente, não é dela a culpa pela sujeira do Recife.
15 maio, 2009
Ouvidora
...
14 maio, 2009
07 maio, 2009
Num instante
Saudade não é uma pesquisa nos cantos mais remotos da memória, nem vontade de lembrar o que a rotina faz esquecer.
Saudade é instante.
Agente está lá, de bobeira, acordando, tomando banho, andando de ônibus ou provando um tempero, quando ela chega. Veloz. Passa correndo, pega na mão do pensamento e voa com ele até onde bem entender.
Ultimamente, minha saudade é recorrente. Quando percebo, estou em São Paulo. Caminhando pelas calçadas sem risco da Av. Paulista, pelos largos corredores do Mercado Central, sentada perto dos patos, admirando o lago do Ibirapuera.
Amo aquela cidade. Se pudesse, moraria lá só para ter todo dia a segurança de caminhar à noite depois do teatro, de sair e voltar para casa sem medo de ser assaltada no primeiro sinal.
Não é a toa que a cabeça viaja tanto até lá. Mas hoje foi diferente.
Estava pintando uma caixinha de madeira – presente para voinha – quando, num passe de mágica, fui parar no jardim da casa de Zé da Rocha, na fazenda da Macuca.
Há anos não vou lá, mas lembro de cada detalhe. A casa cheia de espaços vazios, os móveis esquisitos do terraço, a falta de iluminação, a ponte, o caminho para bica e o riacho (únicos lugares onde era possível tomar banho), a barraca prateada armada no meio da noite, o cachorro pastor-alemão que vinha nos acordar logo cedo. Tenho tudo na memória.
Hoje, estava entre as flores. Aquelas cor-de-rosa, pequenas, iguais às do jardim da minha avó quando eu era criança.
Perto destas flores, tomamos café da manhã depois de uma noite de muita farra, deitamos na grama, jogamos conversa fora, cantamos, cochilamos.
As flores me lembram uma paz alegre e, na casa de Zé da Rocha, podem ser vistas até do banheiro, onde a parede de cimento abriu espaço para uma janela de vidro. Incrível! Coisas assim não dá para esquecer.
Mas não sei como fui parar lá hoje.
A saudade me levou. Tão rápido. Num instante.
06 maio, 2009
uns versos
ele muda sim, eu sei, mas não percebo.
enxergo o mesmo menino de sempre
sedutor, sorridente, persistente
o homem que me ensinou a amar com alegria
a ser tolerante, paciente
a esperar pelos dias de sol e nunca temer a chuva
a cor dos pelos mudou, o corpo, o rosto
estão mais bonitos, mais seguros de si
e eu mudei junto,
mas ainda olho para o mesmo lugar.
onde estou.
onde vou ficar.
feliz aniversário!
26 abril, 2009
Nostálgica
Quando meu tio se foi, tudo mudou. É como se o castelo construído por minha avó há quase 60 anos tivesse desmoronado naquela manhã, e pior: sobre nossas cabeças. Ninguém sobreviveu ileso a sua partida.
Para mim, minha avó era o grande elo da nossa família, e qual não foi minha surpresa ao perceber que era ele, o filho pródigo, a maior ligação entre nós.
Junto com ele, se foram as tardes barulhentas; as confusões para saber que vai buscar a próxima cerveja; tantas gerações - pais, filhos, netos, primos e irmãos - se esbarrando na casa apertada, fazendo fila em frente ao fogão; a confortável falta de espaço que acalma qualquer alma. Tudo desapareceu.
Hoje, sequer nos vemos. Viramos pequenas famílias solitárias e silenciosas com cadeiras vazias ao redor da mesa. Lá em casa somos cinco, ansiosas pela chegada de novos ares, novos sorrisos que nos revigorem, carentes de barulho e emoção.
Por isso, participar de encontros entre famílias que ainda se abraçam, me deixa com um inevitável nó no peito. Tanto amor me apequena, e me joga nos braços de uma saudade gigante, das coisas que nunca mais hei de ter.
22 abril, 2009
Cinza rima com ranzinza
Existem coisas muito tristes na vida, dessas tristezas grandiosas, que cada um tem a sua e não dá para ficar mensurando o grau de importância delas. Mas tem outras menores, pequenos fatos que dificultam a manutenção da felicidade diária, e neste rol, um dia de chuva é o campeão, ganha a medalha de ouro da minha tristeza.
A noite chuvosa ganha a prata, porque ela ainda tem um lado positivo, oferece o conforto de um clima ameno na hora de dormir. Para o dia não tem desculpas. A chuva é o fator mais atrapalhante da rotina.
Acordar já é péssimo. A chuva tira o prazer de sentir os raios de sol atravessando a janela e esquentando o rosto, como quem avisa que o dia começou. O céu cinza me dá um sentimento depressivo, uma vontade de não sair de casa, de evitar todas as outras consequencias de um dia chuvoso. Mas não tem jeito. É preciso encarar a realidade nublada e isso requer cuidados especiais.
O primeiro é escolher uma roupa que seque rápido pra não passar o dia inteiro molhada. Depois, amarrar o cabelo de um jeito seguro e se conformar, porque a umidade vai sim deixá-lo terrível.
Na rua, atenção redobrada para não enfiar o pé num bueiro alagado e ainda tentar não ser alvo dos motoristas, que ganham espírito de esporte de aventura e se danam a jogar água nos pedestres nas calçadas.
No ônibus, todas as janelas estarão fechadas e o calor vai ser de matar. O trânsito, mais lento do que nunca.
Mas o dia mal começou... ainda tem a pior parte: o registro dos estragos. Um dia inteiro de notícias sobre carros quebrados, atrasos no trabalho, casas alagadas, vidas perdidas, dezenas de histórias que se apagaram em baixo d'água (ou seria melhor dizer afogaram?)
A verdade é que sou tão pouco romântica quando o assunto é chuva, que não gosto sequer do barulho dela caindo. Fico pensando que, forte daquele jeito, ela vai acabar derrubando uma árvore, ou pior, barreiras, lares.
Enquanto algum desavisado admira e escreve poesia para as gotas de chuva, tem alguém desesperado esperando elas passarem para recomeçar sua vida e, em algum lugar, um outro alguém resmunga por causa do frio.
Esse alguém sou eu.
18 abril, 2009
A primeira lembrança
- Ela chegou, Sandrinha! É sua irmã. - uma voz comunicou.
A menina deixou para lá os brinquedos, levantou-se do chão e seguiu a mãe até o quarto, esticando o pescoço e a ponta dos pés para espiar dentro do embrulho. Em vão. O conteúdo só lhe foi revelado já no berço que, até pouco tempo, lhe pertencia. Lá estava uma coisa pequena e careca, encolhida naquele colchão tão enorme. Um momento guardado em tons laranja - a cor do abajur em forma de urso - única iluminação do quarto.
Ao longo de seus três anos de vida nunca havia visto nada igual. Talvez por isso tenha ficado tão impressionada com aquele ser, do tamanho de suas bonecas, mas real. Com uma pele cheia de dobras que se mexiam em movimentos lentos.
Ali estava seu mais novo presente, o melhor de todos, um brinquedo que, mesmo sem ter noção, sentia que seria seu pelo resto da vida.
Naquela noite não queria ir dormir. Montou guarda entre a porta do quarto e o berço. Fiscalizou as visitas. Várias vezes cochilou de pé e acordou assustada com medo de perder a irmã de vista.
Ela não lembra de ter visto a mãe grávida, nem de ter sido avisada que a casa ganharia uma nova moradora. Não lembra de nada. Para a menina, a vida começou com o rosto sereno da mãe trazendo o embrulho junto ao peito.
No dia 22 de dezembro as duas nasceram, e ela descobriu o maior amor de sua vida.
17 abril, 2009
Viagem
"O que há de bom mesmo não está à venda,
O que há de bom não custa nada.
Este momento é a flor da eternidade!
Minha alegria aguda até o grito.
Não essa alegria alvar das novelas baratas,
Pois minha alegria inclui também minha tristeza
(- a nossa
Tristeza...
Meu companheiro de viagem, sabes?
Todos os bondes vão para o infinito!"
14 abril, 2009
Detonada
A tontura, o suor frio, a moleza no corpo.
E quando a vontade vem no lugar e hora errados, deixa sujeira demais a ser limpa.
O único lado positivo é saber que não há mais nada preso na garganta.
Foram-se todos os pedaços, os incômodos guardados que o corpo não conseguia absorver.
Foram-se a angústia, os nós.
Chegou o alívio.
Um consolo a ser pensado na hora de limpar os restos.
11 abril, 2009
Páscoa Feliz - a viagem
Malas preparadas cuidadosamente no dia anterior. Roupas prontas para o calor, os ovos de Páscoa de Bento, nosso próprio kit chocolate. Um ótima noite de sono. Tudo organizado para a viagem de Páscoa. Visitar Teresa na Semana Santa é quase uma tradição e não havia razões para fazer diferente esse ano.
Então, lá fomos rumo a Arcoverde. Mas antes de pegar a estrada, preparativos básicos: enche o tanque, calibra os pneus, confere óleo e água. Beleza, né?
Beleza nada! Com uma hora de viagem o carrinho que, na semana passada, já havia nos deixado na maior roubada começou a dar sinais de que não suportaria uma viagem tão longa. Mesmo assim, seguimos em frente, ao som de Paulinho Moska. Até que, “eita”!
Não era nem Caruaru quando o danado do carro se negou a seguir em frente. E, mais uma vez, estávamos no meio da estrada, distante de qualquer ponto de apoio, à espera do guincho que decretaria o fim da nossa feliz Páscoa e nos traria de volta a casa.
Dentro do carro abafado, rezava para não ser assaltada no meia da estrada, para não levarem as câmeras, os relógios, os celulares. Para não nos matarem ali, em plena luz do dia. Uma oração dispersa, confundida pela vontade de encontrar uma solução que não a destruição do feriado. Depois de um tempo, eram tantas as hipóteses a serem estudadas que até o medo do caso virar primeira página de jornal desapareceu.
E enquanto, por quase uma hora esperamos o guincho e fizemos todas as contas possíveis, uma vozinha falou mais alto na minha cabeça: “liga o carro”. “tenta de novo”, ela sugeria. A repeti em voz alta, imediatamente. “Tenta ligar o carro de novo”.
Por consideração ao meu desespero, mas praticamente sem esperanças, o namorado atendeu ao pedido. Vrum, vrum, vrum...
E não é que o danado ligou? Claro, na maior moleza, mas com pique suficiente para chegar a uma oficina em Caruaru.
A solução não foi simples: bomba de gasolina, como já era previsto. Mas duas horas depois estávamos de volta aos planos.
Páscoa feliz, aí vamos nós.
07 abril, 2009
Páscoa feliz
Sou filha de uma mãe cujo lema era se virar como desse para garantir um dinheirinho no final do mês. Ela trabalhava como bancária, mas a principal atividade era mesmo a de vendedora. Minha casa era praticamente um depósito de cosméticos, tuperware, roupas e bugingangas vindas de Manaus, Caruaru ou Santa Cruz do Capibaribe.
A Páscoa, então, era sinonimo de alta produção. A casa inteira se transformava em oficina de chocolate. Tudo começava na cozinha, raspando a barra em cima do mármore, jogando tudo na panela, mexendo em banho-maria. De lá, direto para as forminhas de todos os tamanhos e formatos dos mais curiosos. Claro que tinham ovinhos e coelhos, mas não faltavam os modelos românticos (nem os safadinhos).
Quando tudo saia da geladeira, era a hora de ficar “respirando” numa mesinha no terraço. Todos os chocolates, brancos, pretos, com flocos e castanha, distribuidos como numa vitrine, pedindo para serem devorados. Para duas crianças, não meter a mão era o maior dos sacrifícios. E claro que tínhamos as nossas técnicas para driblar a vigilância e nos dar bem. Depois, era só acompanhar a embalagem em papéis e fitas coloridas.
Mainha confiava tanto em mim, que sempre me dava uma leva para vender na escola. Levava-os num isopor, vendia às colegas e professoras e não comia nenhum. À noite, quando entregava o apurado, podia escolher qualquer um para mim.
Há muito tempo o hábito mudou. Compramos os ovos prontos. Lá se foi a magia.
Até que esse ano, resolvi reviver a história, mas saindo do papel de espectadora para o de protagonista. Comprei a barra de chocolate, as forminhas (bem mais modernas que as de minha mãe), papéis coloridos e fitas.
As novas técnicas deixaram o trabalho bem mais ágil, mas não menos delicioso. Após uma breve consultoria telefônica com minha mestre, estavam prontos os ovos para as crianças. Dentro, um toque pessoal com fotos deles e votos de feliz páscoa. Embrulhei com cuidado, passei a fita e o adesivo com cara de coelho.
Lá estavam minhas obras de arte dignas de uma foto, à espera de seus donos. E como uma arte deste tamanho merece um retorno intelectual à altura, foi isso que tivemos com a pergunta de Riva.
- Nossa! Tem uma foto tua! Como será que ela foi parar dentro do ovo?
- Dããã, papai. Pensa que eu não sei que tu ligou pra fábrica e mandou a foto pra eles?É, acho que o ovo caseiro foi aprovado.
27 março, 2009
De olho
20 março, 2009
Opaco
Tecido sem brilho, folhas caídas.
Sem ele, eu sangro.
Sou corpo rasgado, arrancado os pedaços
Agonizando, pedindo para tudo acabar - oras, logo de uma vez!
Sem amor, me perco.
Caminho sem norte, olhos vendados.
Luz apagada na alma, pernas fracas, palavras incompreendidas.
Assim, desapareço.
E não ser, há de ser algo bem estranho para um ser vivente.
16 março, 2009
De sol a sol
Sou viciada em praia. Basta ver que o dia vai ser de sol, pra ficar igual criança tentando convencer Riva a me levar. Mesmo não estando afim, ele é quase sempre vencido pelo cansaço, e me dá de presente um dia de calor, caldinho e raspa-raspa.
O lugar é sempre o mesmo, no Pina, onde o movimento é mais tranquilo. Escolhemos duas cadeiras com cara de resistentes, um guarda-sol simpático e nos acomodamos. Aí, é só olhar as esquisitices dos outros e inventar o que comer. E como eu como!
São tantos caldinhos, ovinhos, picolés, queijos, abacaxi cortadinho (ai, delícia!), que a gente até já fez amigos comerciantes. Gente feito Tião, o gordo do caldinho e o tunisiano, que atravessou o oceano para morar em Brasília Teimosa e ter uma vida melhor.
Um povo trabalhador, que não se deixa abater pelo sol torrando a moleira e queimando ainda mais a pele grossa e escurecida. Uma gente sempre com uma graça a dizer, uma história nova e um sorriso no rosto. São eles e o barulhinho das ondas que, juntos, fazem da praia o melhor dos programas.
Semana passada minha alegria, por pouco, não foi por água a baixo. A prefeitua resolveu tirar, de uma hora para outra, todos – sim, eu disse todos – os ambulantes das praias do Pina e de Boa Viagem. Ou seja, nada de cadeiras na areia, ovo de codorna, queijo coalho, caldinho de peixe e feijão.
Tirar os vendedores da praia é como tirar a própria diversão.
Sim, porque a gente já não pode tomar banho de mar, por causa dos tubarões; também não pode ficar se bronzeando fora do guarda-sol, por causa do câncer de pele; e aí dizem que a gente tem também que abrir mão dos nossos petiscos e ficar um dia inteiro sem comer, sem mar e morrendo de calor.
Agora, diga, quem mais iria à praia nessas condições?
Definitivamente, perdi a vontade... Assinei minha demissão praiera.
Até a prefeitura (que, até onde eu sei, é popular) perceber que havia tomado uma péssima decisão e resolver mandar meus colegas de volta ao trabalho.
Ontem estive lá para conferir se tudo está mesmo no lugar, e adorei o que vi. A praia cheinha. Do jeito que eu gosto! Aquele buruçu de gente colorindo a areia. Os meninos com as pipas, outros jogando bola, o biquine fio dental mostrando até o que não merece ser mostrado e, por toda parte, vendedores felizes.
Comprei o caldinho de peixe de Dona Francisca. O picolé Milet do senhor politizado que reclama do aumento dos preços e da queda nas vendas. O ovo de codorna e o amendoim do rapaz simpático, satisfeitíssimo com a regularização do seu trabalho.
- Vai ser bom agora, né? Vamo até ter farda...
Verdade. No calçadão, os comerciantes fazem fila para se cadastrar.
Conferido o território, voltei para casa, de coração tranquilo e barriga cheia. Tudo de volta ao normal na minha praia preferida.
12 março, 2009
Autoterapia
Enfraquecê-los e derrubá-los, um a um, é a única coisa a fazer. Um trabalho diário e cansativo, carente de vigilância e força de vontade.
Realizá-lo é motivo de orgulho e, sim, paz, muita paz ao perceber que estou vencendo a batalha contra minhas neuroses e medos infindáveis.
Quando sinto que o ciúme, a maldade, a mentira, o passado e o futuro, o medo, a solidão, a falta de expectativas - mestres do meu tormento - estão levando uma surra da minha capacidade de viver o presente.
Esse é o grande segredo (descobri há pouco). Manter a cabeça ao lado do corpo, vivendo as alegrias e os problemas de cada dia. Assim, tudo é leveza. Parar para pensar no futuro é como ser ferida de guerra e perder a luta.
Sonho acordar sem medos, me livrar de tantas sequelas, ser sã, equilibrada, justa comigo mesma. Uma mulher melhor, como estas que andam pela rua, mas eu desconheço.
E enquanto esse dia não chega, sigo a peleja de cada dia. Um coração ansioso por paz, brigando sozinho contra um ego doente.
02 março, 2009
Sabor de saudade
Olfato, visão, paladar me levam aos melhores recantos da memória.
O reencontro com a foto de uma menina levada fazendo travessuras com a prima na cozinha da avó.
O perfume usado na adolescência e ganho de presente aos 30 anos.
A reedição de uma saia balonê usada duas décadas depois, mostrando as mudanças no contorno da menina, agora mulherão.
Hoje tive um desses encontros inesperados num self service.
Lá estava ela, tímida entre tantas outras travessas mais vistosas.
A quiabada da minha infância.
Um prato raro lá em casa, só feito em dias especiais, quando minha avó queria agradar ao filho.
A panela de alumínio amassada nas bordas, carregada com risco por um velho cabo preto, era o primeiro sinal de que o almoço teria um cheiro diferente.
Sim. Só o cheiro. Porque a iguaria não era pra qualquer bico. Os netos de Dona Carmelita nem sonhavam em provar a “quiabada de Inaldo”.
Voinha preparava só um pouco, o suficiente para matar a fome do primogênito. Ela e mainha até arriscavam salpicar um pouco do molho por cima do feijão. Nós, jamais!
Hoje, olhando a travessa no restaurante, lembrei de meu tio que já não almoça mais conosco. De suas infinitas passadas pela beira do fogão para beliscar a comida ainda na panela. De como sentava, numa pose só dele, sozinho à mesa (mais um cuidado de minha avó, para garantir que o almoço de seu amado não seria perturbado pelas crianças).
Depois que ele se foi, lá em casa não se fez mais quiabada, nem dobradinha, nem nada que nos levasse à saudade.
Por isso, parei em frente à travessa sem saber se deveria ou não comer. O prato era dele. Mas resolvi me dar o direito de matar a curiosidade e conhecer o gosto de algo tão importante.
Com a quiabada no prato, misturada ao molho do feijão, almocei hoje ao lado de tio Inaldo. Dividi com ele um sabor novo: de uma saudade que nunca vai acabar.
17 fevereiro, 2009
Começou
Meu reveillon é em fevereiro, e começa na prévia dos Amantes de Glória, depois não quer mais parar.
O corpo fica com sede de frevo, de multidão, de abraços. O pensamento deixa o trabalho de lado e se perde em desenhar fantasias, pensar em adereços, reciclar o guarda-roupa pra deixar tudo mais colorido.
Esse ano o carnaval estava demorando a chegar. Deixei passar as festas, fui fingindo que ainda não era ano novo, mas domingo não deu!
Na programação, a Velha Guarda da Mangueira e Arlindo Cruz, no Fortim, em Olinda. Minha alma se preparou. Riva quis dormir... Cansado demais... Eu só queria sambar.
Numa decisão dificílima, chamei o táxi e me misturei sozinha aos poucos foliões que ainda resistiram ao desfile das Virgens. Era sete da noite.
Claro que encontrei mil amigos e acabei indo bater no camarote. A noite foi linda! Sambas, rostos conhecidos, novos sorrisos, a alma em festa, a saia rodando no vento, os cabelos pulando mais que os pés!
Era eu, a cerveja e um palco iluminado em verde e rosa. Me bastou. Estava inteira.
No carnaval, o pouco já faz feliz, não precisamos de muita coisa. A música emociona, o calor arrepia. E essa é uma magia que só quem o vive é capaz de entender.
Esse texto é para Gê, que esse ano não vai pintar a cara no carnaval.