Manhã nublada, a sombrinha molhada na bolsa. O típico dia em que preferia ficar em casa, mas dessa vez não deu. Subi no ônibus já atrasada. Assim que entrei, aquela figura me olhava como quem me esperava há séculos.
- Tenho certeza que ela tem! – disse o homem dirigindo-se ao cobrador. Depois olhou pra mim e falou. – A senhora tem moeda? Dinheiro trocado?
Não respondi. Tirei do bolso as tais moedas que ele tanto esperava, paguei minha passagem e passei pela catraca.
- Deus lhe pague, moça. Eu já ia descer e o cobrador não tinha troco.
- Disponha. – respondi já caminhando para o final do ônibus.
Ele me seguiu. Acho que queria conversar mais um pouco antes de descer.
- Tô indo atender a um casal. Vou aplicar Reiki neles. Imposição de energia pelas mãos. Não toca, só mentaliza. Sabe como é?
- Já ouvi falar...
- Meu nome é Evaldo Gonzaga. Decore, moça. Evaldo Gonzaga. A senhora ainda vai ouvir falar de mim. Assista Faustão, no domingo. Se vira nos 30. Assista, viu?
- Tá certo. Vou assistir.
- Trabalho muito com Reiki. Ajudo as pessoas que estão doentes. Atendo gente no IMIP, no Barão de Lucena. AVC, leucemia, todo tipo de câncer. Eu vou lá e troco a energia com quem está precisando – disse, mexendo as mãos como quem finaliza uma mágica e vai tirar um coelho da cartola bem naquela hora. Depois continuou. – Mas a senhora sabe que eu não curo, né? Sou só o instrumento. Quem cura é Jesus. Acredita nisso?
- Acredito sim. A energia Divina com a de quem quer ser curado e você é o canal, certo?
- Isso mesmo. Vou fazer isso até o dia em que morrer, daqui a 32 anos. Vou trabalhar, depois vou dormir e morro dormindo. Mas antes, vou me casar. No dia do meu aniversário esse ano, 27 de setembro, vou conhecer uma moça com 23 anos, o nome dela começa com a letra G. Qual o nome da senhora?
Pela primeira vez ele venceu minha sobriedade e eu sorri.
- Não começa com G - respondi.
- Não? Nem tem 23 anos?
- Também não.
- A gente já está em setembro?
- Ainda não...
- Então, definitivamente, não é a senhora! – reconheceu com um leve ar de decepção. - Ela vem do interior e tem três filhos.
- Mas já? Três filhos! Tão nova...
- É que casou aos 13. Ela é linda, mas agora o marido não valoriza mais isso. Ela vem para o Recife e vai casar comigo. Vamos viver juntos até o dia da minha morte.
Ele contava a história de seu futuro cheio de certeza, como quem recorda um livro que acabou de ler. Em nenhum momento desviou o olhar, porque sabia que eu estava mesmo prestando atenção.
- E quem te contou tudo isso, Gonzaga?
- Soube agora, conversando com a senhora. Eu me pergunto coisas e as respostas simplesmente vêm. É sempre assim. Desde que a senhora entrou no ônibus, com esse óculos tão bonito, eu sabia que estava com as moedas.
- Eita. Tenho cara de pobre mesmo, né?
- Não. Tem cara não. E mesmo se tivesse. Pobre de dinheiro é rico de vida. Faço isso tudo de graça, sabe? Não gosto de dinheiro. De onde eu venho a gente não precisa dele, mas aqui, às vezes tenho que usar. – e continuou – Os dons que a gente recebe de Deus, devem ser devolvidos de graça, senão ele não gosta e tira o dom da gente.
Depois de me deixar sem palavras, Gonzaga deu um salto e olhou para a rua.
- Cobrador! Perdi a parada? É nessa, não é?
Recebeu o sinal positivo do cobrador que estava lá na frente, me olhou nos olhos e se despediu.
- Prazer em conhecer. Não esqueça de ver Faustão no domingo. Que Deus lhe acompanhe.
- Amém.
Assim que desceu, uma moça que ouviu toda a conversa comentou.
- Esse aí precisa urgente de um psiquiatra!
Eu ainda estava encantada por ter recebido de presente aquela figura numa manhã nublada e não tive outra opção senão defender meu mais novo amigo.
- Precisa nada. Ele está mais curado que todas nós. Aprendeu a ser feliz pra sempre.
- É acho que aprendeu mesmo.
3 comentários:
Aprendi que, quando venho aqui, costumo sair mais feliz. Valeu por mais esse presente.
P.S.: Deixa eu tomar a liberdade de te fazer um pedido/sugestão? Tira esse verificador de palavras para os comentários no teu blog. Às vezes dá uma preguiça danada de decifrar essas letrinhas... Beijo.
Pronto, Dante! Pedido atendido. Sem verificador de palavras! Nem sabia que poderia tirar...
Beijo e obrigada pelas visitas!
Ueba!
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