Há tempos não fazia isso: o exercício não físico, mas espiritual de me integrar à terra, ao mato, àquilo que não precisa de adorno para ser verdadeiramente belo.
Pra começar, uma viagem sem engarrafamentos até Bezerros, de onde seguimos à Serra Negra. Logo na chegada, me encantei com um teatro daqueles que só tinha visto nos livros de mitologia grega. Daqueles em formato de meia lua, ao ar livre, projetado para levar o som até o espectador mais distante. Pisar em um palco como esse foi especialmente mágico. Na hora, não contei pra ninguém, só me transportei em silêncio até um tempo que não foi meu, mas está em mim.
A partir do palco, que também era mirante, teve início a trilha. Casas, jardins, pedras, grutas, bichos e nós, como crianças descobrindo um mundo novo. No rosto das pessoas que passavam, a mesma cor vermelha da terra pisada; nos gestos, a simplicidade; em tudo, encontros com pedaços de mim: a menina índia que mora no corpo amarelo da jornalista, de face grosseira e os olhos rasgados.
Todos os dias uso artifícios para disfarçar minhas origens. Para ser mais urbana, tiro os pés do chão e calço saltos. Para ser mais comum, desenho novos olhos, que parecem ser maiores. Ali, caminhando ao lado de meu franzino guia, só queria me encontrar.
A busca foi recompensadora. Chegamos a lugares lindos. A porta do vento, porque parece uma porta e faz vento. A pedra da escada (e não vou nem explicar o motivo do nome), a gruta do amor, o pau casamenteiro, a casa colorida, o papagaio que faz pose para a foto, os patos autistas, a pescaria numa poça entre pedras.
O pôr do sol indicou o caminho de volta e descanso já estava garantido. Nos hospedamos no melhor hotel de Bezerros! O quarto escolhido tinha vista para a praça, que nesse fim de semana transformou-se em pátio de eventos e ficou lotada. À noite, as crianças deram um show em cima do coreto, enquanto os adolescentes jogavam todo seu charme vestindo suas melhores roupas.
Resolvemos entrar no clima e seguimos rumo à festa. E como quem encara a maior das aventuras, pagamos a altíssima quantia de um real e cinqüenta pelo ingresso e giramos por quase meia hora na roda gigante, a principal atração do local. Ela, com ares de pouco confiável, nos encantou com suas luzes e cores, e nos levou a um canto mágico, há tempos esquecido.
Infantes, ali ficamos deixando o vento bater no rosto e a vida girar rápida e sem a menor pressa de parar.