Eu adoro andar de ônibus. Há os que discordem, mas para mim esse é um ritual que ajuda o dia a começar. Os poucos minutos que passo sozinha lá dentro, mesmo cercada de pessoas, são suficientes para organizar as idéias, planejar as tarefas do dia, encontrar as pessoas dentro das pessoas. Alguns preferem usar o tempo da viagem para ler ou até dormir mais um pouquinho. Eu não. Gosto de sentar perto da janela e olhar o Recife enquanto o vento bate no rosto.
Pra começar, leio tudo, de outdoor à placa de carro. Vejo o movimento das paradas de ônibus, de quem atravessa a rua com cara de atrasado e daqueles que ainda nem sabem por que estão ali, mas já se misturaram à massa. Em muitos lugares dá até pra sentir um ar fresco, cheiro do mato que ainda resiste à poluição. Em outros, de trânsito mais ferrenho, melhor mesmo é prender a respiração e torcer pelo fim do congestionamento.
Ontem a viagem foi longa. Fui de Recife a Jaboatão em busca de um novo emprego. O tradicional frio na barriga me acompanhou durante todo o trajeto, enquanto eu pensava que tudo iria dar certo. E “dar certo” não significa conseguir o emprego, mas continuar feliz com o que faço.
Não gosto de ter trabalho. Gosto sim de ser repórter, de passar informações, esclarecer. Gosto do trato com as pessoas, dessa intimidade adquirida em tão curto espaço de tempo. Gosto de escrever, brincar com as palavras como quem executa um balé. Nada disso soa como trabalho, mas como prazer.
Por isso o receio de ir em busca de mudanças. Seria hipócrita dizer que aceito qualquer emprego só porque o dinheiro está escasso ultimamente. Eu não aceito. Não aceito sofrer por não conseguir administrar a vaidade de um cliente. Não aceito perder qualidade de vida por um salário mais alto. Meu espírito careta precisa ser livre ao menos profissionalmente.
Mas nesse caso, nem deu tempo de analisar se valeria à pena. Cheguei a Jaboatão e fui recebida por uma voz despreocupada do outro lado da linha, que me mandou ir amanhã. Catei as moedas na bolsa, subi no ônibus de volta a casa e paquerei o Recife, como de costume. No final da viagem, decidi que não iria lá novamente.
Acredito nas coisas que são nossas e nas que chegam à vida como quem vem numa caixa de entrega especial. Meu novo emprego está por aí. Quem sabe não aparece no próximo ônibus?