17 março, 2006

Dia Internacional do Luto

Há 10 dias, entre uma matéria e outra, preparei um texto para o Dia Internacional da Mulher. Mas esse negócio de ser mulher é tão complicado, que acabei não tendo tempo de postar. Se ser jornalista já é uma missão e tanto, ser blogueira, orkuteira, colega, esposa, dona de casa, filha, neta, irmã, amante, companheira e sexy ao mesmo tempo é ainda mais difícil!

Resultado: o tal 8 de março passou, literalmente, em branco nesse blog fuleiro. Mas parece que foi só aqui mesmo... No resto do mundo todos os pequenos - e grandes - espaços foram reservados para elogiar, parabenizar e fazer discursos exaltando as conquistas femininas e a importância da mulher na sociedade. Ridículo!

Explico. No último dia 8, não me achei com a menor vontade de comemorar. Meu desejo era mesmo o de protestar. Em todos os lugares as mulheres são preteridas (mas isso os homens nunca vão perceber). Até parece que as civilizações pensaram suas culturas para reduzir nossa participação social. Aqui no Recife, onde vejo de perto a discriminação, a situação não está nada boa.

No dia em que todo mundo fingia respeitar as mulherada. A cidade amargava 72 assassinatos de mulheres só esse ano! A maior parte, vítima de um parente próximo ou do "companheiro". Uma vergonha! Outra característica das vtimas e que elas são, em sua maioria, negras e pobres.


Os homens negros e pobres aqui também morrem cedo. Eles começam no crime ainda crianças. Praticam furtos, consomem e traficam drogas. Logo acabam sendo mortos pela polícia, por adversários e até pelos comparsas.

As mulheres negras e pobres seguem um outro caminho. Elas freqüentam a escola, reprovam pouco e só se afastam dos estudos para terem seus filhos, cujos pais, negros e pobres, estão envolvidos em algum crime. Por não terem formação profissional, acabam ficando em casa, cuidando das crianças - uma nova a cada ano - e sendo sustentadas, muito precariamente, por seus homens.

Mas no dia em que eles enchem a "cara de cana" ou voltam pra casa de mau humor, é nelas que descontam todas as insatisfações e ansiedades. Eles as molestam, as violentam, as espancam. Quando têm sorte, elas se recuperam, e rezam quietas para o rompante demorar a acontecer de novo. Mas 72 mulheres do Recife não tiveram tanta sorte.


Elas tentaram fazer diferente. Não participaram do tráfico de drogas, não cometeram assaltos, não mataram ninguém. Apenas amaram seus homens e pariram seus filhos. Ainda assim, morreram cedo. Cedo demais...

......

Enquanto recebi, no dia 8, uma rosa vermelha, pensei nessas mulheres, mortas pelo filho da mãe com quem dormia todo dia! A surra que levou ou a bala que atravessou seu corpo antes delas morrerem devem ter doído bastante. Mas não tanto quanto ver a mão que já a acariciou, ser levantada contra seu rosto.

Nós, mulheres estudadas, cultas e independentes, jamais entenderemos as razões que fazem alguém permanecer em casa sob ameaça de vida. Talvez porque nunca tenhamos passado fome, ou por termos uma família protetora, ou uma grana guardada para imprevistos. Talvez até por conhecermos nossa força de trabalho e carregarmos um bom currículo, que logo nos abriria novas portas. Elas não têm nada disso!

Os números que justificam as comemorações do Dia Internacional da Mulher falam de conquistas como o direito à educação e à cidadania, ao voto e à carteira de motorista. Eles destacam as cientistas, juízas, senadoras, pilotas, mecânicas. E daí? Podemos ser o que quisermos. Afinal, temos um cérebro. Ridículo seria tentar nos manter, ao longo da evolução social, submissas como animais domésticos.

Não posso deixar de avaliar tamanha resistência à inserção da mulher nos espaços de poder, como medo da nossa soberania. Para mim, fora o detalhe dos órgãos sexuais, poucas coisas diferem homens e mulheres. Por isso, não classifico minha postura como feminista, mas sim, igualitária. Mulheres e homens podem ser igualmente sábios, capazes, fortes, persistentes e dedicados. Mas há entre nós um grande diferencial: a sensibilidade. O principal defeito de fabricação de muitos "cabras-macho" por aí.

O que eu sei é que dificilmente mataríamos o homem com quem vivemos porque tomamos um pórre ou estamos em TPM. O que eu sei é que não faríamos acordos ilícitos com o dinheiro público e dormiríamos em paz uma noite inteira. O que eu sei é que até as próprias mulheres ainda não conseguiram impôr sua importância social. Uma pena...

Tenho um marido lindo e carinhoso, um emprego estável, uma família unida e amorosa, grana para farras e bobagens. Tenho uma vida maravilhosa, mas faço parte de menos de 10% das brasileiras. Enquanto não tiver feito alguma coisa pra mudar isso, não terei nada a comemorar, nem merecerei parabéns.

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