26 abril, 2009

Nostálgica


Quando meu tio se foi, tudo mudou. É como se o castelo construído por minha avó há quase 60 anos tivesse desmoronado naquela manhã, e pior: sobre nossas cabeças. Ninguém sobreviveu ileso a sua partida.

Para mim, minha avó era o grande elo da nossa família, e qual não foi minha surpresa ao perceber que era ele, o filho pródigo, a maior ligação entre nós.

Junto com ele, se foram as tardes barulhentas; as confusões para saber que vai buscar a próxima cerveja; tantas gerações - pais, filhos, netos, primos e irmãos - se esbarrando na casa apertada, fazendo fila em frente ao fogão; a confortável falta de espaço que acalma qualquer alma. Tudo desapareceu.

Hoje, sequer nos vemos. Viramos pequenas famílias solitárias e silenciosas com cadeiras vazias ao redor da mesa. Lá em casa somos cinco, ansiosas pela chegada de novos ares, novos sorrisos que nos revigorem, carentes de barulho e emoção.

Por isso, participar de encontros entre famílias que ainda se abraçam, me deixa com um inevitável nó no peito. Tanto amor me apequena, e me joga nos braços de uma saudade gigante, das coisas que nunca mais hei de ter.

22 abril, 2009

Cinza rima com ranzinza


Existem coisas muito tristes na vida, dessas tristezas grandiosas, que cada um tem a sua e não dá para ficar mensurando o grau de importância delas. Mas tem outras menores, pequenos fatos que dificultam a manutenção da felicidade diária, e neste rol, um dia de chuva é o campeão, ganha a medalha de ouro da minha tristeza.


A noite chuvosa ganha a prata, porque ela ainda tem um lado positivo, oferece o conforto de um clima ameno na hora de dormir. Para o dia não tem desculpas. A chuva é o fator mais atrapalhante da rotina.


Acordar já é péssimo. A chuva tira o prazer de sentir os raios de sol atravessando a janela e esquentando o rosto, como quem avisa que o dia começou. O céu cinza me dá um sentimento depressivo, uma vontade de não sair de casa, de evitar todas as outras consequencias de um dia chuvoso. Mas não tem jeito. É preciso encarar a realidade nublada e isso requer cuidados especiais.


O primeiro é escolher uma roupa que seque rápido pra não passar o dia inteiro molhada. Depois, amarrar o cabelo de um jeito seguro e se conformar, porque a umidade vai sim deixá-lo terrível.


Na rua, atenção redobrada para não enfiar o pé num bueiro alagado e ainda tentar não ser alvo dos motoristas, que ganham espírito de esporte de aventura e se danam a jogar água nos pedestres nas calçadas.


No ônibus, todas as janelas estarão fechadas e o calor vai ser de matar. O trânsito, mais lento do que nunca.


Mas o dia mal começou... ainda tem a pior parte: o registro dos estragos. Um dia inteiro de notícias sobre carros quebrados, atrasos no trabalho, casas alagadas, vidas perdidas, dezenas de histórias que se apagaram em baixo d'água (ou seria melhor dizer afogaram?)


A verdade é que sou tão pouco romântica quando o assunto é chuva, que não gosto sequer do barulho dela caindo. Fico pensando que, forte daquele jeito, ela vai acabar derrubando uma árvore, ou pior, barreiras, lares.


Enquanto algum desavisado admira e escreve poesia para as gotas de chuva, tem alguém desesperado esperando elas passarem para recomeçar sua vida e, em algum lugar, um outro alguém resmunga por causa do frio.


Esse alguém sou eu.

18 abril, 2009

A primeira lembrança

Foto: arquivo da família


Até ali, nada existia. A vida da menina da forma como ela lembra começou naquela noite de dezembro. Os detalhes, a memória escolheu a dedo. Não lembra da cor da parede, nem se a casa já estava enfeitada para o Natal. Lembra apenas da mãe, vestida numa camisola verde-claro, entrando em casa com um pacote nos braços.

- Ela chegou, Sandrinha! É sua irmã. - uma voz comunicou.

A menina deixou para lá os brinquedos, levantou-se do chão e seguiu a mãe até o quarto, esticando o pescoço e a ponta dos pés para espiar dentro do embrulho. Em vão. O conteúdo só lhe foi revelado já no berço que, até pouco tempo, lhe pertencia. Lá estava uma coisa pequena e careca, encolhida naquele colchão tão enorme. Um momento guardado em tons laranja - a cor do abajur em forma de urso - única iluminação do quarto.

Ao longo de seus três anos de vida nunca havia visto nada igual. Talvez por isso tenha ficado tão impressionada com aquele ser, do tamanho de suas bonecas, mas real. Com uma pele cheia de dobras que se mexiam em movimentos lentos.

Ali estava seu mais novo presente, o melhor de todos, um brinquedo que, mesmo sem ter noção, sentia que seria seu pelo resto da vida.

Naquela noite não queria ir dormir. Montou guarda entre a porta do quarto e o berço. Fiscalizou as visitas. Várias vezes cochilou de pé e acordou assustada com medo de perder a irmã de vista.

Ela não lembra de ter visto a mãe grávida, nem de ter sido avisada que a casa ganharia uma nova moradora. Não lembra de nada. Para a menina, a vida começou com o rosto sereno da mãe trazendo o embrulho junto ao peito.

No dia 22 de dezembro as duas nasceram, e ela descobriu o maior amor de sua vida.

17 abril, 2009

Viagem

Meu bonde passa pelo mercado

Mário Quintana

"O que há de bom mesmo não está à venda,
O que há de bom não custa nada.
Este momento é a flor da eternidade!
Minha alegria aguda até o grito.
Não essa alegria alvar das novelas baratas,
Pois minha alegria inclui também minha tristeza
(- a nossa
Tristeza...
Meu companheiro de viagem, sabes?
Todos os bondes vão para o infinito!"

Para Kil.

14 abril, 2009

Detonada

Vomitar é quase sempre muito ruim.
A tontura, o suor frio, a moleza no corpo.
E quando a vontade vem no lugar e hora errados, deixa sujeira demais a ser limpa.
O único lado positivo é saber que não há mais nada preso na garganta.
Foram-se todos os pedaços, os incômodos guardados que o corpo não conseguia absorver.
Foram-se a angústia, os nós.
Chegou o alívio.
Um consolo a ser pensado na hora de limpar os restos.

11 abril, 2009

Páscoa Feliz - a viagem

Foto: eu mesma, na Pedra Furada (Venturosa)


Malas preparadas cuidadosamente no dia anterior. Roupas prontas para o calor, os ovos de Páscoa de Bento, nosso próprio kit chocolate. Um ótima noite de sono. Tudo organizado para a viagem de Páscoa. Visitar Teresa na Semana Santa é quase uma tradição e não havia razões para fazer diferente esse ano.

Então, lá fomos rumo a Arcoverde. Mas antes de pegar a estrada, preparativos básicos: enche o tanque, calibra os pneus, confere óleo e água. Beleza, né?


Beleza nada! Com uma hora de viagem o carrinho que, na semana passada, já havia nos deixado na maior roubada começou a dar sinais de que não suportaria uma viagem tão longa. Mesmo assim, seguimos em frente, ao som de Paulinho Moska. Até que, “eita”!


Não era nem Caruaru quando o danado do carro se negou a seguir em frente. E, mais uma vez, estávamos no meio da estrada, distante de qualquer ponto de apoio, à espera do guincho que decretaria o fim da nossa feliz Páscoa e nos traria de volta a casa.


Dentro do carro abafado, rezava para não ser assaltada no meia da estrada, para não levarem as câmeras, os relógios, os celulares. Para não nos matarem ali, em plena luz do dia. Uma oração dispersa, confundida pela vontade de encontrar uma solução que não a destruição do feriado. Depois de um tempo, eram tantas as hipóteses a serem estudadas que até o medo do caso virar primeira página de jornal desapareceu.


E enquanto, por quase uma hora esperamos o guincho e fizemos todas as contas possíveis, uma vozinha falou mais alto na minha cabeça: “liga o carro”. “tenta de novo”, ela sugeria. A repeti em voz alta, imediatamente. “Tenta ligar o carro de novo”.


Por consideração ao meu desespero, mas praticamente sem esperanças, o namorado atendeu ao pedido. Vrum, vrum, vrum...


E não é que o danado ligou? Claro, na maior moleza, mas com pique suficiente para chegar a uma oficina em Caruaru.


A solução não foi simples: bomba de gasolina, como já era previsto. Mas duas horas depois estávamos de volta aos planos.


Páscoa feliz, aí vamos nós.

07 abril, 2009

Páscoa feliz



Sou filha de uma mãe cujo lema era se virar como desse para garantir um dinheirinho no final do mês. Ela trabalhava como bancária, mas a principal atividade era mesmo a de vendedora. Minha casa era praticamente um depósito de cosméticos, tuperware, roupas e bugingangas vindas de Manaus, Caruaru ou Santa Cruz do Capibaribe.

A Páscoa, então, era sinonimo de alta produção. A casa inteira se transformava em oficina de chocolate. Tudo começava na cozinha, raspando a barra em cima do mármore, jogando tudo na panela, mexendo em banho-maria. De lá, direto para as forminhas de todos os tamanhos e formatos dos mais curiosos. Claro que tinham ovinhos e coelhos, mas não faltavam os modelos românticos (nem os safadinhos).

Quando tudo saia da geladeira, era a hora de ficar “respirando” numa mesinha no terraço. Todos os chocolates, brancos, pretos, com flocos e castanha, distribuidos como numa vitrine, pedindo para serem devorados. Para duas crianças, não meter a mão era o maior dos sacrifícios. E claro que tínhamos as nossas técnicas para driblar a vigilância e nos dar bem. Depois, era só acompanhar a embalagem em papéis e fitas coloridas.

Mainha confiava tanto em mim, que sempre me dava uma leva para vender na escola. Levava-os num isopor, vendia às colegas e professoras e não comia nenhum. À noite, quando entregava o apurado, podia escolher qualquer um para mim.

Há muito tempo o hábito mudou. Compramos os ovos prontos. Lá se foi a magia.

Até que esse ano, resolvi reviver a história, mas saindo do papel de espectadora para o de protagonista. Comprei a barra de chocolate, as forminhas (bem mais modernas que as de minha mãe), papéis coloridos e fitas.

As novas técnicas deixaram o trabalho bem mais ágil, mas não menos delicioso. Após uma breve consultoria telefônica com minha mestre, estavam prontos os ovos para as crianças. Dentro, um toque pessoal com fotos deles e votos de feliz páscoa. Embrulhei com cuidado, passei a fita e o adesivo com cara de coelho.

Lá estavam minhas obras de arte dignas de uma foto, à espera de seus donos. E como uma arte deste tamanho merece um retorno intelectual à altura, foi isso que tivemos com a pergunta de Riva.

- Nossa! Tem uma foto tua! Como será que ela foi parar dentro do ovo?

- Dããã, papai. Pensa que eu não sei que tu ligou pra fábrica e mandou a foto pra eles?

É, acho que o ovo caseiro foi aprovado.