Enquanto me irrito porque meu celular continua quebrado e não sobrou dinheiro para comprar outro, muito menos para renovar a escova progressiva – que já perdeu a validade há meses – dou de cara com a vida de centenas de mulheres “sem experiência alguma de juventude e beleza”. Rejeitadas e humilhadas por maridos e fillhos. Abusadas sexualmente pelos pais. Cercadas por falsas crendices. Sem assistência alguma à saúde ou educação.
Há pouco mais de uma hora me tornei amiga de infância de Hongxue, uma chinesa de dezessete anos, violentada pelo pai desde os onze, e que encontrou uma única forma de fugir do assédio dele: ficando doente e permanecendo no hospital o maior tempo possível. Foi lá, nesse novo refúgio, que fez amigos e criou um carinho especial por um filhote de mosca, de quem cuidou até depois que ele foi esmagado.
Eu mal via a hora de Hongxue sair do hospital, dar um ninja naquele pai canalha e mostrar que se tornou uma grande mulher da China. Mas em nosso último encontro, ela soube que iria receber alta e voltar para casa. Então, passou uma mosca morta na ferida que tinha no braço - na esperança de ficar mais doente e permanecer internada. Deu certo. Ela comemorou a febre que não baixava, mas morreu de infecção, duas semanas depois.
Fechei o livro e chorei descontroladamente a morte daquela menina, que se estivesse viva, teria 50 anos. Quantas pessoas lastimaram sua partida? Talvez alguns leitores emotivos. Jamais o pai e a mãe. Esse apurado de histórias me leva a um país e uma época tão cruéis e, ao mesmo tempo, tão próximos, que chega a assustar.
O grande consolo é perceber que essas mesmas mulheres enfrentam todas as intempéries com atitudes de força, caridade e beleza, uma beleza gigante na alma, que compensa a ausência de adornos no corpo. Mas isso, para os homens chineses, não representam algo positivo. Afinal, as “boas”mulheres são frágeis, mansas e trabalham muito para sustentar as vaidades dos maridos.
Já passaram décadas desde que isso aconteceu, e nem sei se alguma coisa mudou desde então. Provavelmente, chorar agora, aqui de tão longe e depois de tanto tempo, não muda em nada a vida de nenhuma daquelas mulheres. Mas espero, ao menos, que a alma delas sinta que alguém, algum dia, se preocupou e lhes disse “sinto muito”.
3 comentários:
Mack.
Tenho uma admiração pelas mulheres corajosas... e me compadeço com o sofrimento de muitas que passam por situações de tortura física e psicológica.
A familia deveria ser um abrigo onde possamos nos defender... e não uma prisão... um cativeiro.
Fiquei triste pela Hongxue... ela poderia ter tido uma outra vida... uma outra história.
Pelo menos podemos ter a fé de que existe um mundo espiritual... e talvez seja possível... tanto para ela como para inúmeras outras... saber que existem pessoas que "sentem muito".
Pratiquemos o Bem... esse é o caminho.
Abração pra tu.
putz! q história!
e qtas mulheres não passam por situações semelhantes, hein?
por isso sou feminista.
quero mudar o mundo e quero proteger as mulheres, tão judiadas, magoadas, desconsideradas...
basta nisso tudo!
Querida, estamos num novo século, mas eu que vivo em um país asiático vejo o quanto essas mulheres aqui sofrem, não mais nesta realidade tão cruel (eu acho), mas a submissão e prisão de sentimentos em que elas vivem.
Bjs.
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