Nunca fui apegada a essa história de ser fã de artistas, mas há alguns anos fui tomada de paixão por uma pessoa que não está viva e cuja lembrança nem ficou tão forte assim na minha memória.
Mas, por que logo ela?
Mas, por que logo ela?
Outro dia me perguntaram se já havia assistido a uma apresentação de Clara. “Só quando criança, mas nem lembro direito do rosto dela”. “Então você precisa ver. Tu dança igual a ela: o braço, o ombro, as mãos. Igualzinho”. Fiquei curiosa.
Meses depois ganhei o livro “Clara Nunes. Guerreira da Utopia”, de Vagner Fernandes, que terminei de ler na semana passada. E agora, enquanto fuço na internet imagens e vídeos que parecem completar partes da minha história, me pergunto a razão de estar ligada a essa mulher.
Talvez pela paixão por sambas e batucadas, pela falta de vergonha em rodar num palco ou num salão como quem reverencia “santos”. Ou pelo sincretismo religioso, por não ter medo de ser tão eclética, mesmo quando o assunto é Deus. Talvez até pela cumplicidade dupla da espera vã por filhos paridos e a sensação de que, tal como ela, não vou conhecer a velhice.
Agora, depois de ter lido tanto sobre a vida de Clara, as justificativas fariam sentido. Mas a admiração nasceu bem antes de conhecê-la. Clara Nunes morreu em 1984, quando eu tinha seis anos - uma criança com medo de palhaço, fã do Balão Mágico e de qualquer samba que me chegasse aos ouvidos. Com essa idade já cantava um monte de músicas dela.
Lembro do disco em vinil que ouvia todo fim de semana com a minha mãe, que segurava as barras de uma saia larga, dançando e cantando “O mar serenou” e “Morena d’angola”. De Clara, tenho a vaga lembrança de um vestido dourado cantando na TV “Filhos de Gandi. Badauê”. Nada além disso. Mesmo com tão pouco, foi essa a mulher eleita para ser um ídolo e seu nome escolhido, desde pequena, para ser o da minha filha.
Aproveitei as férias e dediquei a tarde inteira à pesquisa. Vi mil fotos, assisti a dezenas de vídeos, e encontrei mesmo semelhanças no jeito de dançar e até no rosto - olhos rasgados, boca imensa. Será isso, então um ídolo? Alguém que você admira por analogia?
Não sonho em ser como Clara. Nem sei se me daria bem com uma mulher de temperamento tão forte, mas, ao mesmo tempo, tão insegura. E tinha um monte de coisa nela que eu não concordo. Por isso que às vezes acho que não a escolhi, foi ela quem me elegeu para vasculhar sua memória, para ficar em meu destino.
Era ela quem estava cantando na hora em que o carro onde Marcelle e eu estávamos capotou, e eu sabia que iria dar tudo certo. É a voz dela que reconheço como cantiga de ninar, o som que me acalma e me alegra mesmo nas horas mais difíceis. Estranho um sentimento tão forte por uma desconhecida, mas se ele traz assim tanto bem... que fique.