
Nunca fui apegada a essa história de ser fã de artistas, mas há alguns anos fui tomada de paixão por uma pessoa que não está viva e cuja lembrança nem ficou tão forte assim na minha memória.
Mas, por que logo ela?
Mas, por que logo ela?
Outro dia me perguntaram se já havia assistido a uma apresentação de Clara. “Só quando criança, mas nem lembro direito do rosto dela”. “Então você precisa ver. Tu dança igual a ela: o braço, o ombro, as mãos. Igualzinho”. Fiquei curiosa.

Talvez pela paixão por sambas e batucadas, pela falta de vergonha em rodar num palco ou num salão como quem reverencia “santos”. Ou pelo sincretismo religioso, por não ter medo de ser tão eclética, mesmo quando o assunto é Deus. Talvez até pela cumplicidade dupla da espera vã por filhos paridos e a sensação de que, tal como ela, não vou conhecer a velhice.
Agora, depois de ter lido tanto sobre a vida de Clara, as justificativas fariam sentido. Mas a admiração nasceu bem antes de conhecê-la. Clara Nunes morreu em 1984, quando eu tinha seis anos - uma criança com medo de palhaço, fã do Balão Mágico e de qualquer samba que me chegasse aos ouvidos. Com essa idade já cantava um monte de músicas dela.

Aproveitei as férias e dediquei a tarde inteira à pesquisa. Vi mil fotos, assisti a dezenas de vídeos, e encontrei mesmo semelhanças no jeito de dançar e até no rosto - olhos rasgados, boca imensa. Será isso, então um ídolo? Alguém que você admira por analogia?
Não sonho em ser como Clara. Nem sei se me daria bem com uma mulher de temperamento tão forte, mas, ao mesmo tempo, tão insegura. E tinha um monte de coisa nela que eu não concordo. Por isso que às vezes acho que não a escolhi, foi ela quem me elegeu para vasculhar sua memória, para ficar em meu destino.
