Para mim, acaba aqui qualquer rivalidade entre recifenses e baianos. Esgoto todas as rixas e deixo apenas as semelhanças.
Há dez anos pisei pela primeira vez em solo baiano, mas não tive interesse nem maturidade para avaliar quem era aquela gente de pele escura e carne dura. Invadi o espaço sem a menor cerimônia. Entrei e saí sem pedir licença - erro comum na adolescência. Guardei na lembrança as intermináveis ladeiras, a farra sem limite e as ruas largas.
Dessa vez foi diferente. Cheguei querendo entender por que o baiano é tão amado mundo a fora. Descobri. Porque são gente de família, trabalhadora, educada e com uma pitada de malandragem no tempero.
Minha passagem não pôde ser discreta. Carregava nas costas uma mochila enorme, atrapalhando o fluxo e denunciando o turismo. Mesmo assim, ninguém se importou. Ao contrário, sempre que possível, ajudaram com a bagagem, tornaram o fardo mais leve, e poucos perguntaram de onde eu era.
Me misturei aos rostos tão parecidos com os de todo dia, e se não fosse pelo olhar curioso e deslumbrado a cada descoberta, teria passado desapercebida na multidão que anda de ônibus, desvia dos carros e se espreme no elevador Lacerda.
A Bahia tem a maioria das coisas que me encantam no Recife, mas com um detalhe: elas são somadas. As construções são ainda mais antigas, a história mais bem preservada, as cores mais vivas, as praças mais verdes. Mais misticismo, igrejas, museus, estrutura para o turismo e, de brinde, plena receptividade.
Fomos tratados com todo carinho, bem acolhidos por um povo feliz e solícito. Uma gente sem segredos, de gestos e olhares transparentes, de muitas palavras, conversa e riso solto. Bem do jeitinho que eu gosto, mas, confesso, não esperava.
Achei que o bairrismo mútuo pudesse macular nossa relação, e fui surpreendida da melhor forma possível. Na capital ou nas ilhas, do canto mais badalado ao mais tranqüilo. O lema é um só: receber bem, cuidar do outro, sorrir e falar. Falar muito e alto, como se a vida só tivesse graça se levada ao extremo.
Por isso, tamanho encanto e a sensação do plano ter saído melhor que a encomenda. Lembro da resistência de Riva quando sugeri irmos à Bahia no feriado. “É um lugar especial. Você não pode morrer sem passar por lá”, argumentei. Não sei se a retórica valeu de alguma coisa, mas uma semana depois as passagens estavam compradas e vivemos uma bela viagem com ares de lua-de-mel.
A cada instante, um sorriso arrancado pelo esplendor de um inesquecível pôr-do-sol, de uma fortificação em ruínas, do céu mais estrelado do mundo em noite que falta luz.
Do São João de verdade o feriado não teve quase nada. Só alguns fogos e arrasta pé num arraial de Morro de São Paulo. Mas não me arrependo da troca. Os dias valeram para quebrar preconceitos e me apaixonar por mais um lugar com alma romântica e que mal vejo a hora de visitar de novo.
Fotos: Riva Spinelli