01 abril, 2008

Só uma menina

Foto: Riva (Vale do Catimbau / PE)

“Uma menina observadora, doce, tranqüila e sempre mais madura que as outras da sua idade”. Foram essas as primeiras observações feitas por minha mãe, quando perguntei quem eu era quando criança. Segundo ela, apesar disso tudo, eu era também um tanto “seca”, avessa a carinhos e dada a poucos amigos.

“Sabia o que queria. Argumentava, brigava e insistia até conseguir”, e mais: “Questionava tudo. Ouvia a resposta e voltava para o lugar, como se precisasse maturar cada aprendizado”. As informações me transportaram de volta àquele tempo. Nem lembro desde quando o silêncio era o melhor companheiro. Gostava de ficar sozinha e não costumava criar laços. Minhas companhias levavam o momento de uma atividade escolar ou de uma brincadeira – nunca com grandes grupos.

Desde o primeiro ano na escola tive apenas um amigo ou amiga na classe. Nunca mais que isso. Recordo detalhes da sala de aula: as mesinhas, os desenhos nas paredes, a letra da professora no quadro negro; mas apenas o nome de um colega por série. Os outros eram meros figurantes.

Em casa, meu lugar preferido era entre as bonecas, de quem cuidava com zelo materno e onde passava horas esquecidas. Ali mergulhava nas vidas que sonhava ter. Era magra, médica, casada com um cara lindo, mãe de duas filhas e ia com todos à praia nos fins de semana.

Brinquei de boneca até os 16 anos, quando um namorado apareceu lá em casa sem avisar e me surpreendeu deitada no chão conversando com duas Barbies. A vergonha foi tanta que resolvi encaixotar os brinquedos e relegar minhas velhas amigas ao fundo de uma prateleira.

A separação nem foi tão dolorida... A essa altura, as bonecas já haviam mesmo perdido espaço para uma outra companheira, dessa vez, inseparável: a escrita. E lá estava mais uma razão para permanecer quieta. Escrever era um momento meu que não precisava nem desejava compartilhar. Fiz minha primeira poesia aos 10 anos, aos 11 tive a primeira redação premiada, comecei a participar do jornal da escola e nunca mais parei. Adeus Medicina...

Ouvindo Mainha falar dessa menina e tentando encaixá-la em minhas lembranças, acho que ela deve ter se sentido muito sozinha. Mas logo chega à mente uma figura que prova o contrário: Fernanda, minha grande cúmplice de infância. A primeira amiga com quem dividi meu misterioso mundo. Com ares de boa moça, reservada e de sorriso largo - como o meu -, éramos como almas gêmeas. E embora não fôssemos populares, nem assediadas pelos meninos, éramos plenamente felizes.

Juntas compartilhamos amores platônicos, assistimos desde Xuxa a Barrados no Baile, ouvimos música romântica até ir às lágrimas, coreografamos Paquitas, Trem da Alegria e Menudos, dançamos Jazz, escrevemos sobre a eternidade do amor e da amizade. E chegamos ao limite de nos fazer irmãs de sangue num ingênuo ritual de dedos furados.

Queríamos cultivar um sentimento imortal, e assim seguimos, dos sete aos quinze anos, quando o capricho adolescente nos venceu e a vida tratou de nos afastar. Perdê-la foi como morrer, só que com mais dor. Murchei para o mundo e carreguei por dias um luto sufocante, um desespero, que durou até conhecer Edna, e amá-la desde o primeiro olhar. E tudo passou a fazer sentido...

Aprendi com Fernanda que a vida precisa de espaço. As pessoas e fases precisam ir para dar lugar a outras histórias. Nem mais, nem menos especiais, só novas, dentro de um novo tempo. Uma lição que por mais que eu estudasse, inventasse ou insistisse, jamais aprenderia sozinha.

Hoje, 15 anos depois, perdi a conta das despedidas, das saudades, dos amores à primeira vista, dos encontros e reencontros. Todos únicos na alegria e na dor. Histórias amarradas a mim pela eternidade, que saem sem subtrair porque já têm lugar cativo.

A menina doce, tranqüila e observadora continua aqui e morre de medo de perder gente, de mudar de lugar... Sorte a dela ter aprendido a criar laços, a dar as mãos e amadurecer com o amor.

Às amigas ausentes da vista, que sempre vão morar aqui.

7 comentários:

Dante Accioly disse...

Já me despedi de um monte de amigos também. Com alguns, foi bem natural. Não foi adeus. Só tchau. Mantemos contatos esporádicos até hoje e nos divertimos muito quando lembramos de quão intensos foram nossos momentos juntos. Com outros, não. A coisa foi meio truncada. O problema é quando não se tem essa percepção que você descreveu tão bem: "As pessoas e fases precisam ir para dar lugar a outras histórias". Quando a coisa desanda, o que era para ser um ciclo tranqüilo vira uma crise de posse e ciumeira. Ih... Quando isso acontece, não é legal. :)

Germana Accioly disse...

minha amiga querida,

no começo da nossa "conhecência" eu achava quase impossível sermos tão amigas. e, como um raio, vc entrou no meu mundo. e sentou na cadeira cativa. Hoje entendo porque tudo aconteceu tão rápido.Porque a distância ia nos presentear com outra forma de amizade. Uma amizade mais forte e confiante.
Pois é, um dia entre cervejas eu te disse que uns morrem pra dar vida aos outros. Morreu a amizade dos almoços e das trocas diárias. Nasceu outra coisa, que se forma como um ser forte e permanente.

Princess Deluxxe disse...

Longe da vista, mas perto do entendimento. Próximas pela saudade. E pelos pensamentos positivos de q seremos felizes em nossos caminhos.
bjosss

Mack disse...

Dante, isso é muito verdade. Tem amigo que com uma semana de distância já vira um bicho de ciúme. É estranho, mas é o jeito do cara, né? Quando acontece, exercito a compreensão e sigo em frente.

Meninas. só de ler vocês dá vontade de chorar... Não de tristeza, mas de saudade do brilho do olho, do tom da voz. Saudade de abraço de verdade.

Respira...
Pronto! O nó na garganta passou. A saudade fica, pra lembrar que seremos fortes e felizes seja lá onde for!

Beijos em todos

Leonardo Werneck disse...

Gostei muito de conhecer um pouco mais dessa menina doce que assim como eu gosta do silêncio e da escrita, quem me dera escrever a metade do que você escreve. Quando eu cresecer quero ser igual a ti.

beijos

Celle disse...

Lembro que queria brincar com vc e com suas Barbies e não deixava, queria fazer um carinho nos cabelos longos, quando estava deitada no sofá assistindo sessão da tarde, e vc tmb não deixava, mas eu continuava insistindo, chegava até a roubar um xêro quando chorava ao som daquelas músicas internacionais...

Hj tu nem imagina o tamanho da minha saudade...
sinto tua falta nas noites de trovões, das carinhas desenhasdas nos dedos dos pés, dos filmes até altas horas da manhã, das tuas poesias que eram lidas em primeira mão, dos brigadeiros, das pipocas, ufa, deixa eu parar por aqui senão, não paro de chorar.!!!
Xêros
Te amo!!!

Mack disse...

Ai, menina, assim vc me quebra... Imagino o quanto foi difícil quebrar a casca de uma irmã durona e impaciente. Mas, por + que eu resistisse, nosso destino estava escrito nas estrelas, porque sempre te amei mais do que a qualquer outro na face da terra.
Também morro de saudade de nós. E sou muito orgulhosa de termos a melhor relação que duas irmãs podem ter, mesmo quando ficam algum tempo sem se ver, nem dividir a mesma panela de brigadeiro quente.
Mas é exatamente isso que escrevi aqui. Nossas pequenas histórias ficam na lembrança, para dar espaço a outras, que precisamos construir. E assim vamos crescendo e, tenha certeza, o amor sempre há de crescer junto!

..............

Leó, querido, vc não precisa crescer para ficar "igual" a mim. Vc já tem um estilo e um coração muito bonitos, que aprendi a admirar.

Bj!