19 março, 2008

Todo dia...



Chega a noite e não vejo mais a lua grandiosa, flutuando toda sua amarelidão a um palmo das águas do Capibaribe.
Saio da sala olhando o relógio. Entro no carro e aproveito o caminho para revisar o texto.
De tão ocupada, não vejo a rua, nem temo os meninos que se aproximam da janela a cada sinal vermelho.
Chego à TV, subo as escadas correndo, retoco a maquiagem, me posiciono sob os holofotes.
São seis horas.
Gravo o programa - ainda com a insegurança de uma principiante.
Tento disfarçar o cansaço de um dia que mal começou.
São seis e vinte.
Hora de entrar na ilha de edição. REW – PLAY – FWD – STOP
Ouço, anoto, ouço de novo.
Troca a fita, passa para o computador.
Rende, corta, calcula... E assim segue a noite.
A fome chega. Bebo água.
A cabeça dói. Passo a mão no olho. Bebo água.
Dentro da TV, o dia se repete em câmera lenta.
Afundo na cadeira, olho o relógio pela décima vez em dois minutos.
Programa montado e revisado.
Meia noite.
É hora de ir.
Entro no carro, dou boa noite, vencida pelo cansaço, sigo calada até em casa.
Pela janela, procuro a lua. Ela nunca está.
Desço do carro quase correndo.
A chave na fechadura antecede o melhor momento do dia.
Abro a porta e lá está ele, cochilando entre os lençóis.
Em seu olhar, a força de volta, a recompensa, a quietude.
Por mais uma noite, não tive a lua, mas o brilho dele me põe para dormir.

10 março, 2008

Descoisada




Perdi a linha, a gentileza e os bons modos e saí sem destino, apavorada com tanta falação inútil.

Movimento demais, computador lento e conversa mole desafiam minha serenidade - e ela perde.

Despenteio o cabelo, olho de banda, circulo sem rumo pela sala. Sou bicho acuado.

A paciência se perdeu no caminho até o trabalho, o bom humor não deu as caras.

Por isso não quero sorrir, nem atender ao telefone, nem fazer o jantar.

Também não vou analisar o Big Brother, só quero que Marcelo saia, e pronto!

No mais, me esqueçam.

Desejo não dizer nada, desligar o rádio e a TV, e comer muitas besteiras.

Quero tomar sorvete até enjoar, me abraçar ao silêncio e dormir até tarde.

E quando acordar, se eu der bom dia, responda;

senão, melhor não se aproximar.

Porque hoje... é bom avisar...

Hoje eu tô com TPM!

04 março, 2008

A habilitação - parte I

O dia começou mais cedo que os de costume. Acordei às seis horas, tomei café com Riva, levamos as crianças ao colégio, demos um pulo na auto-escola para pegar minha requisição e pouco depois das oito horas já estava no Detran para fazer o tão esperado exame teórico.

Desde que acabou o carnaval substitui a literatura pela leitura diária do Código de Trânsito Brasileiro (até meu novo exemplar de Gabriel Garcia Marques voltou à prateleira). Nas últimas semanas, me senti uma adolescente às vésperas do vestibular. Cheguei a recusar convites para farras, com um argumento incontestável: “Tô estudando para a prova do Detran”. As amigas balançavam a cabeça e sorriam irônicas: “Só você perde tempo estudando isso, Maxandra”. É, só eu, mas em compensação, quem tiver qualquer dúvida sobre direitos e deveres do condutor, pode me perguntar.

Estudei tudo: placas, penalidades, multas, direção defensiva, mecânica, primeiros socorros. Li, reli, fiz e refiz os questionários, desenhei possibilidades, anotei cada palavra do professor. Mesmo assim não pude evitar passar quase todo o tempo da fila de espera revisando a apostila.

Três horas de fila chega a ser uma crueldade, mas acabei tendo tempo de sobra para estudar e pensar na vida. Foi quando percebi que, de repente, o Universo planejou uma conspiração para me fazer sair do lugar.

Sou tranqüila e demente em excesso. Não tenho grandes ambições, nem costumo vislumbrar mudanças. Talvez por isso o destino precise dar um empurrãozinho de vez em quando. Então, me joga nas mãos mil oportunidades, todas ao mesmo tempo, para testar meu poder de lidar com elas. Novos rumos profissionais, possibilidade de equilibrar as finanças e até de conseguir a tão protelada carteira de motorista.

Tudo remexendo em minha cabeça, uma coisa esbarrando na outra meio sem direção, e eu tentando clarear as idéias, separar as novidades em montinhos e descobrir por onde começo. Até que chamaram meu número: 001 (a numeração virou porque mil pessoas foram atendidas antes de mim).

Entrei na sala e encarei o computador com o espírito preparado. Ensaiei uma tremedeira, mas respirei fundo e não fiquei nervosa! As respostas brotavam ao final de cada questão e em 12 minutos terminei e prova e li o veredicto: 29 pontos – APROVADA!

Fim da primeira etapa. Ah, essa foi fácil! Difícil mesmo vai ser achar um fusca pra chamar de meu...