24 novembro, 2008

Ponto de observação


De que adianta observar a vida?
Enxergar é pouco, muito pouco...
É preciso consertar o que está errado.

Tirar os velhos das calçadas
A cola da mão do menino
A angústia da mãe faminta.

Não bastam palavras, olhar penoso -
vagos gestos de apoio ao próximo.
Sentir o incômodo da dor do outro.

Enquanto a vida desanda,
vejo as dores, passo por elas.
E se eu voltasse?

Será que o mundo mudaria de lugar?

17 novembro, 2008

eu, poeta


Desde menina, ensaio poesias.
Metros e metros de letras sobre vidas e amores.
Todos na mesma tentativa
Criar uma frase de efeito
Dessas que atravessam os séculos e inspiram gerações.
Nunca consegui...
Sou prolixa e complexa.
Não resumo pensamentos.
Minhas palavras seguem a linha dos sentimentos
Extensos e incansáveis.
Sempre querem mais!

13 novembro, 2008

Espaços


Por aquele corpo, mil mulheres passaram
Nada dele é mais segredo.
Todos os pedaços descobertos,
Poucos arrancados.

Aventuras, desventuras.
Não lembra o nome, o rosto,
Quando chegaram ou saíram -
Tão rápido.

Mas algumas ficaram.
Pedaços na lembrança, esperança, alimento.
Outras, companheiras, dia-a-dia, brinquedos de fazer feliz.
Umas, tirando o sono,
Outras, o pondo a dormir.

Das mil, sobra-lhe pouco,
O suficiente para provar que, sim,
O corpo tem coração.

................................................................

Naquele corpo, mil mulheres habitam,
Às vezes doces, outras, amargas.
Todas juntas, sem nunca se ver.

Um corpo vivo, cheio de defeitos,
Carregando uma alma em brasa
Capaz de arrancar das trevas o pior dos degredados.

Naquele sorriso, a personificação do pecado
e a cura de grandes males.
Naquele toque, o pulsar da tentação
e a serenidade para todas as inquietações.
No olhar, o desejo de mudar de lugar
e a segurança de não precisar mais ir além.

Um corpo, uma escala, um porto.
Uma só mulher que, sim,
Tem mil corações.

07 novembro, 2008

Desenredo

Foto: Riva Spinelli

A festa de casamento.
O nascimento dos filhos.
O novo emprego.
A compra do carro.
Os grandes propósitos da vida acontecendo sem medo.

Eu, do outro lado,
assistindo a tudo como a um filme que não protagonizo.
Em grandes enredos, sou só figurante.
No meu, não tem roteirista.
As cenas se inventam,
sem saber onde querem chegar.

Às vezes ação, outras, comédia,
quase sempre, romance.
Com trilha sonora nacional
E quase nenhum efeito especial -
no máximo, uma câmera lenta,
esticando os olhares que não querem se abandonar,
marcando o entrelace de dedos que se confortam,
o arrepio dos pelos do corpo.

Não sou filme com começo, meio e fim
Sou interminável seriado de TV,
sem pretensão de acabar.
Com revelações e conquistas a cada nova temporada.
Personagens chegando e saindo.
Sempre à espera do próximo episódio.

05 novembro, 2008

Na ausência dos meus...

Foto: Mack Costa

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto
expediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar
com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar
às mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Manuel Bandeira

01 novembro, 2008

Curtas

I
O amor justifica tudo.

Até os erros - contra ele próprio.







II
Meus pecados, Deus há de perdoar.
Sem eles, certamente, eu não haveria sobrevivido.