Acordo. Amo Riva. Lavo a roupa, deixo os pratos para mais tarde – talvez amanhã. Trabalho no mesmo lugar há anos. Cumprimento a todos com educação e certa distância. Ligo para minha mãe e para as amigas (se der tempo). Falo rápido com voinha, conto as novas à Marcelle.
Faço compras. Não vou à igreja. Nego esmola. Temo crianças em sinais. Faço farras. Não conto piadas. Adoro ouvir histórias. Não sei cantar, mas canto assim mesmo. Às vezes bebo demais. Outras tantas faço besteiras, a maioria perdoáveis. Tenho ressaca.
Minha cara é de índia. Olhos puxados demais. Boca grande demais. O cabelo sem tinta. O rosto que todo mundo conhece alguém “igualzinha”. Não sou alta, nem baixa. Não sou gorda, nem magra. Não sou chata, nem tão simpática assim. Sou exibida, mas moderada pelo bom senso. Minha voz não é bonita, mas sei ser sexy quando necessário. Não sei falar inglês, mas brinco com meu idioma como poucos. Nunca andei de avião, mas uma vez fui de navio a Fernando de Noronha. Adio filhos, carro, viagens à Europa.
Sou bicho da noite. Adoro sambar. Fico em casa. Não faço regime. Faço brigadeiro. Assisto a filmes. Admiro os heróis. Me emociono com a caridade, o desprendimento e o voluntariado. Desligo a TV. Ligo o despertador. Amo Riva. Durmo aconchegada e feliz.
Para muitos observadores, uma vida mediana. Para mim, a que eu escolhi e lutei para ter. E agora preciso citar Dante Accioly:
“Fui bombardeado pela insegurança, pelo conformismo e pela desambição. E aceitei esse bombardeio placidamente. Deixei que os dias me transformassem nisso que sou agora. (...) Medíocre, apenas. Simplesmente, mais um”.
E sabe o que é mais grave? Mesmo percebendo nela certa tendência à mediocridade, ela não me incomoda, nem me move. Sou estática por natureza. Sem feitos notáveis na infância; uma adolescência conturbada como qualquer outra; a maturidade chegando mansa. Só os grandes sacolejos me tiram do lugar. No mais, a vida me leva e eu confio que a estrada será tranqüila e trará os devidos presentes e agruras.
Meu caminhar é ordinário, compassado. As chegadas, intermediárias, nunca em primeiro lugar. Os resultados, sempre melhores que o esperado. E é bem assim que eu gosto. Será um grande pecado não desejar ser notável?
A Dante, por me levar a pensar...