28 abril, 2008

De passagem


Não penso o futuro
No máximo, a semana seguinte
Não planejo
Sou borboleta
Estou de passagem.

Careço da luz de hoje
E que não haja chuva
No tempo que me resta
Vôo, pouso, bailo
Dançarina do vento.

Enquanto meu texto não vem...


"Eu evito fazer psicanálise para não ficar bem resolvido. Tenho medo de que isso me impeça de crescer. Porque uma pessoa bem resolvida não fica angustiada como eu... Roendo os dedos, com crises de insegurança à noite. Elas ficam lá, pacificamente, pensando coisas sábias. Só que a falta de juízo e a inquietação construíram muito mais que as coisas sábias. Se Colombo fosse muito bem resolvido, eu não sei se ele iria ficar com um monte de marujos, navegando para ver o que tinha além do horizonte”.

Nizan Guanaes

08 abril, 2008

Simplesmente, mais uma.


Acordo. Amo Riva. Lavo a roupa, deixo os pratos para mais tarde – talvez amanhã. Trabalho no mesmo lugar há anos. Cumprimento a todos com educação e certa distância. Ligo para minha mãe e para as amigas (se der tempo). Falo rápido com voinha, conto as novas à Marcelle.

Faço compras. Não vou à igreja. Nego esmola. Temo crianças em sinais. Faço farras. Não conto piadas. Adoro ouvir histórias. Não sei cantar, mas canto assim mesmo. Às vezes bebo demais. Outras tantas faço besteiras, a maioria perdoáveis. Tenho ressaca.

Minha cara é de índia. Olhos puxados demais. Boca grande demais. O cabelo sem tinta. O rosto que todo mundo conhece alguém “igualzinha”. Não sou alta, nem baixa. Não sou gorda, nem magra. Não sou chata, nem tão simpática assim. Sou exibida, mas moderada pelo bom senso. Minha voz não é bonita, mas sei ser sexy quando necessário. Não sei falar inglês, mas brinco com meu idioma como poucos. Nunca andei de avião, mas uma vez fui de navio a Fernando de Noronha. Adio filhos, carro, viagens à Europa.

Sou bicho da noite. Adoro sambar. Fico em casa. Não faço regime. Faço brigadeiro. Assisto a filmes. Admiro os heróis. Me emociono com a caridade, o desprendimento e o voluntariado. Desligo a TV. Ligo o despertador. Amo Riva. Durmo aconchegada e feliz.

Para muitos observadores, uma vida mediana. Para mim, a que eu escolhi e lutei para ter. E agora preciso citar Dante Accioly:
“Fui bombardeado pela insegurança, pelo conformismo e pela desambição. E aceitei esse bombardeio placidamente. Deixei que os dias me transformassem nisso que sou agora. (...) Medíocre, apenas. Simplesmente, mais um”.

E sabe o que é mais grave? Mesmo percebendo nela certa tendência à mediocridade, ela não me incomoda, nem me move. Sou estática por natureza. Sem feitos notáveis na infância; uma adolescência conturbada como qualquer outra; a maturidade chegando mansa. Só os grandes sacolejos me tiram do lugar. No mais, a vida me leva e eu confio que a estrada será tranqüila e trará os devidos presentes e agruras.

Meu caminhar é ordinário, compassado. As chegadas, intermediárias, nunca em primeiro lugar. Os resultados, sempre melhores que o esperado. E é bem assim que eu gosto. Será um grande pecado não desejar ser notável?

A Dante, por me levar a pensar...

01 abril, 2008

Só uma menina

Foto: Riva (Vale do Catimbau / PE)

“Uma menina observadora, doce, tranqüila e sempre mais madura que as outras da sua idade”. Foram essas as primeiras observações feitas por minha mãe, quando perguntei quem eu era quando criança. Segundo ela, apesar disso tudo, eu era também um tanto “seca”, avessa a carinhos e dada a poucos amigos.

“Sabia o que queria. Argumentava, brigava e insistia até conseguir”, e mais: “Questionava tudo. Ouvia a resposta e voltava para o lugar, como se precisasse maturar cada aprendizado”. As informações me transportaram de volta àquele tempo. Nem lembro desde quando o silêncio era o melhor companheiro. Gostava de ficar sozinha e não costumava criar laços. Minhas companhias levavam o momento de uma atividade escolar ou de uma brincadeira – nunca com grandes grupos.

Desde o primeiro ano na escola tive apenas um amigo ou amiga na classe. Nunca mais que isso. Recordo detalhes da sala de aula: as mesinhas, os desenhos nas paredes, a letra da professora no quadro negro; mas apenas o nome de um colega por série. Os outros eram meros figurantes.

Em casa, meu lugar preferido era entre as bonecas, de quem cuidava com zelo materno e onde passava horas esquecidas. Ali mergulhava nas vidas que sonhava ter. Era magra, médica, casada com um cara lindo, mãe de duas filhas e ia com todos à praia nos fins de semana.

Brinquei de boneca até os 16 anos, quando um namorado apareceu lá em casa sem avisar e me surpreendeu deitada no chão conversando com duas Barbies. A vergonha foi tanta que resolvi encaixotar os brinquedos e relegar minhas velhas amigas ao fundo de uma prateleira.

A separação nem foi tão dolorida... A essa altura, as bonecas já haviam mesmo perdido espaço para uma outra companheira, dessa vez, inseparável: a escrita. E lá estava mais uma razão para permanecer quieta. Escrever era um momento meu que não precisava nem desejava compartilhar. Fiz minha primeira poesia aos 10 anos, aos 11 tive a primeira redação premiada, comecei a participar do jornal da escola e nunca mais parei. Adeus Medicina...

Ouvindo Mainha falar dessa menina e tentando encaixá-la em minhas lembranças, acho que ela deve ter se sentido muito sozinha. Mas logo chega à mente uma figura que prova o contrário: Fernanda, minha grande cúmplice de infância. A primeira amiga com quem dividi meu misterioso mundo. Com ares de boa moça, reservada e de sorriso largo - como o meu -, éramos como almas gêmeas. E embora não fôssemos populares, nem assediadas pelos meninos, éramos plenamente felizes.

Juntas compartilhamos amores platônicos, assistimos desde Xuxa a Barrados no Baile, ouvimos música romântica até ir às lágrimas, coreografamos Paquitas, Trem da Alegria e Menudos, dançamos Jazz, escrevemos sobre a eternidade do amor e da amizade. E chegamos ao limite de nos fazer irmãs de sangue num ingênuo ritual de dedos furados.

Queríamos cultivar um sentimento imortal, e assim seguimos, dos sete aos quinze anos, quando o capricho adolescente nos venceu e a vida tratou de nos afastar. Perdê-la foi como morrer, só que com mais dor. Murchei para o mundo e carreguei por dias um luto sufocante, um desespero, que durou até conhecer Edna, e amá-la desde o primeiro olhar. E tudo passou a fazer sentido...

Aprendi com Fernanda que a vida precisa de espaço. As pessoas e fases precisam ir para dar lugar a outras histórias. Nem mais, nem menos especiais, só novas, dentro de um novo tempo. Uma lição que por mais que eu estudasse, inventasse ou insistisse, jamais aprenderia sozinha.

Hoje, 15 anos depois, perdi a conta das despedidas, das saudades, dos amores à primeira vista, dos encontros e reencontros. Todos únicos na alegria e na dor. Histórias amarradas a mim pela eternidade, que saem sem subtrair porque já têm lugar cativo.

A menina doce, tranqüila e observadora continua aqui e morre de medo de perder gente, de mudar de lugar... Sorte a dela ter aprendido a criar laços, a dar as mãos e amadurecer com o amor.

Às amigas ausentes da vista, que sempre vão morar aqui.