31 maio, 2007

Previsão do tempo: nublado

Foto: Bernardo Soares

O céu nublado.
A chuva com vontade de estiar.
O vento bravo atravessando a janela, invadindo o apartamento e sacudindo as persianas.
Eu, com sono, tento dar um cochilo em plena manhã que, pra mim, continua sendo a melhor hora do dia para dormir.

As noites continuam amigas.
Talvez seja assim para sempre, independente do estado de espírito.
Feliz, sozinha, rodeada de amigos, tranqüila ou cheia de gás.
Gosto do ar silencioso da noite, dos tons de cinza e lilás nas nuvens, de ficar acordada junto com a lua, olhando a cidade.
Gosto das luzes acesas mostrando onde há vida, do mormaço das noites do Recife, de tudo que as mentes produzem quando o sol se vai.

Então me mantenho acordada.
Pensando, navegando, lendo algum novo livro, assistindo a mais um filme.
Os olhos não dão o menor sinal de cansaço.
Mas, de dia vem essa moleza, o bocejo intercalado com a espreguiçada, essa vontade de fazer nada...
Nos dias de sorte, como hoje, obedeço a vontade do corpo.

Agora, em plena uma da tarde, com a maquiagem disfarçando o rosto inchado, começo meu dia.
Mas o Recife, esse não está com a menor cara de quem começou o dele.
O céu ainda não abriu e as folhas das palmeiras do Parque 13 de Maio se acariciam de leve de vez em quando.
Enquanto o cachorro dorme espalhado na grama úmida.

Eita dia preguiçoso...

20 maio, 2007

Breve conto de amor


Lá estava ela, sentada na sala, terminando mais uma costura. Enquanto ele acabava de chegar da rua, enxugando o suor da testa antes de recolocar o boné na cabeça. Seu Basto se joga no sofá e trata de atualizar a esposa sobre as novidades da rua.

As obras do mercadinho vizinho iam de vento em popa. Os colegas mais novos já haviam deixado o currículo para tentar trabalhar por lá, seria ótimo. Para ele também, que poderia comprar tudo tão perto. O bairro já não era mais o mesmo. Não havia segurança nem para ir à esquina. “Assaltaram mais uma moça ontem bem aqui na frente de casa. Levaram a bolsa e o celular”, ele conta indignado.

Dona Lena ouve, mas não responde. Estava mesmo era pensando nas dores da perna que só faziam aumentar. Ansiosa, mal via a hora de fazer logo a ressonância da coluna para descobrir o que danado a atormentava há tantos anos. O exame era caro, mas os filhos ajudariam a pagar. “Cara mesmo vai ser a cirurgia. Será que vou ter que operar?”, ela pergunta, mudando de assunto sem nem perceber. “Se operar, vai dar tudo certo. Eu não tô bonzinho aqui, mulher? Você é muito mais forte que eu”, responde ele com ares de certeza. “Que nada”, retorna ela fazendo muxoxo.

Ele a olha, tira o boné novamente, coça os cabelos brancos e diz como quem volta no tempo. “Isso é tão braba! Bem que meus amigos diziam para eu escolher outra, que mulher pequena é uma desgraça de difícil, mas eu nunca quis saber de mais ninguém. Desde menino eu sabia que iria casar com ela”. E completou, com ares de eterno romântico. “Ela é a mulher mais bonita que já vi na vida. Acho isso até hoje, quando a vejo sentada aí, ajeitando as costuras”. “Tá certo. Tu gosta mesmo é que eu faça teu almoço!”, alfineta, novamente, Dona Lena.

O telefone toca. Uma, duas, três vezes.
- Vai atender, homem.
- Vou nada. Já ia te pagar três reais pra tu ir pra mim.
- Pois eu pago cinco e tu vai.
- Vou mesmo, e só precisa pagar dois, que é o troco dos três que ia te dar.

E nessa pisadinha, já estavam casados há 49 anos. Conheceram-se ainda crianças, enquanto corriam pelas calçadas de uma cidade pequena no interior da Paraíba. Ela, aos dez anos, usava vestidos floridos em tons de amarelo e só aparecia na rua acompanhada da mãe, indo ou voltando da escola. Tinha as pernas finas e era a menor da turma, mas seus cachos cor de ouro balançavam fácil com o vento e carregava no rosto um sorriso mais delicado e sereno que o de um bebê, como ele costuma definir até hoje.

Ele trabalhava no armazém do pai em frente à casa dela, tinha onze anos, mas ajudava entregando algumas encomendas. A vida era boa, porque além da ganhar uns trocados dos clientes, sempre encontrava tempo de fugir para uma volta de bicicleta com os amigos pelo quarteirão.

Quando cresceram e ela já ia sozinha ao colégio, ele sentiu que era hora de tomar uma iniciativa. Todos esses anos não trocaram palavra. Ele apenas a observava do outro lado da rua, enquanto ela olhava curiosa para aquele menino agitado, sempre sorridente e cercado de amigos.

No dia em que conseguiu convencê-la a aceitar uma carona em sua bicicleta, sabia que ela iria aceitar o pedido de casamento, que não demorou a acontecer. Lena e Basto casaram aos 18 anos e tiveram seis filhos. Para ela, cada gravidez era mais complicada que a anterior. A última filha foi gerada em alto risco, aos 44 anos. “Graças a Deus, todos nasceram saudáveis. Basto não cansava de fazer menino. Isso é fácil! O pior é que era para eu carregar!”, revela indignada com a injustiça imposta pela natureza.

Ao longo desses anos, como todos os casais que alcançam marca tão longínqua num relacionamento, superaram vários problemas. Ele ficou seis anos sem andar, mas recuperou-se, graças a uma cirurgia que só pôde ser feita no Recife. O tempo de recuperação foi longo, por isso resolveram não voltar à terra natal e trazer parte da família para a capital. Aqui terminaram de criar os filhos, fizeram novos amigos e começaram uma fase mais feliz de suas vidas, com mais saúde e estabilidade financeira.

No final do ano passado Seu Basto descobriu um tumor na próstata. “Foi tudo muito bom. O tumor era benigno. As enfermeiras eram ótimas. O hospital era particular. Um luxo que só vendo! O plano pagou tudo. Se não fosse aquela dorzinha da sonda eu até tinha gostado de ficar doente”, conta orgulhoso por ter vencido mais uma batalha.

Agora esperam pelos resultados dos exames de Dona Lena. Tenho certeza que dará tudo certo novamente. De todos os problemas que tiveram, nenhum inclui uma briga séria. Mas arengar... isso eles fazem todos os dias, como quem brinca de barra bandeira no meio da rua.

Para Riva, inesgotável fonte de inspiração.

14 maio, 2007

Dando as caras


Estou há um mês longe do meu blog... e só percebi isso agora, quando passei por aqui e li a data.

A produção de texto está em ritmo lento. Confirmando minha teoria de que quanto mais vivemos intensamente, menos tempo temos para escrever. Não é à toa que os textos mais fantásticos que já li são de autores depressivos, com temas sofridos. Eles têm tempo de sobra para as letras...

Florbela Espanca é a minha favorita, houve épocas em que precisava tê-la comigo em tempo integral, como uma amiga, uma cúmplice de dor. Mas não a procurei mais de duas vezes esse ano. Estamos em energias diferentes ultimamente.

Às vezes quero escrever sobre o amor. Ensaio uma ou outra frase. Paro. Temo não ter propriedade para o assunto. Acho que é isso que estou vivendo agora - o amor. Como sempre, o de sempre, mas com tantas coisas novas acontecendo...

Fatos reais. Conquistas reais. Dessas que as pessoas conseguem ver e não são apenas fruto da minha imaginação. Meu amor vive hoje o que ele sonha desde que nasceu, nem lembro quando... Talvez numa sala cheia de computadores, trocando olhares em almoços corridos ou na hora em que ouvi a voz dele no rádio do carro pela primeira vez.

Desde esse dia, quero mais. Espero, batalho, choro, sorrio, e tudo parecia não ultrapassar o meu mundo fantástico, um espaço onde ninguém nunca esteve de verdade, mas onde tudo funciona (ao menos pra mim). Agora meu amor faz parte do dia-a-dia. Ele CONVIVE!!!!

Ando tão perplexa com essa constatação, que, confesso, não estou conseguindo escrever sobre o assunto. É como se o sentimento estivesse em fase de observação, como uma criança pré-matura que você nunca sabe se vai ou não sobreviver, como uma plantinha seca em fase de recuperação. Era isso o meu amor no começo ano. É lindo, emocionante e reconfortante perceber que, depois de tanto cuidado, ele começa a ganhar independência, dar bons frutos.

Quando penso, então, em escrever sobre ele, vejo que vou usar palavras já ditas nos tempos em que não era real. E como não acho justo comparar esse sentimento novo com o antigo, vou deixando ele assentar sem o verbo, só com a vida de cada dia. Me apaixonando toda manhã. Um dia de cada vez.

E se ainda resta alguma dúvida... Sim, meninas, a vida está BOA!