02 outubro, 2006

Nó na garganta (e no peito)

Triste. Não tenho outra palavra para o dia de ontem senão essa.

Muito triste um dia de eleição para presidente transcorrer assim: apático; gelado; sem cumplicidade ou companheirismo; sem estrelas distribuídas; sem bandeiras vermelhas sacudidas com orgulho; sem esperança.

Sou de uma geração filha da democracia. Assisti, desde criança, a alegria de meus pais pela conquista do direito de escolher os representar de seu país. Acompanhei minha avó às urnas, na época em que ela marcava um X na cédula ao lado do nome de Arraes e eu mesma colocava o papel na caixinha. Corri pela praia do Pina com uma bandeira na mão, cantando “Lula lá, brilha uma estrela”, e fiz o mesmo pelo Marco Zero, há quatro anos, quando, finalmente, ajudei a elegê-lo.

Naquele dia chorei muito. Um choro contido por anos e que agora podia sair para eu respirar novos ares, os ares de uma nova sociedade, de um novo jeito de fazer política e governar. O tão sonhado “do povo e para o povo” acabava de se tornar realidade e eu era protagonista dessa mudança. Cada brasileiro o era! “Vamos mostrar para essa velha turma da direita como é que o PT trabalha”, bradei de peito inchado de tanta alegria e orgulho.

Hoje tenho a triste sensação de que nada deu certo... Meus sonhos foram roubados e parece que meu dinheiro também. O dinheiro, graças a Deus, nunca tive muito, por isso nem sinto falta. Mas dos sonhos eu faço questão. É deles que sobrevivo. São eles quem trilham meus caminhos, colorem meus objetivos, me fazem encarar cada novo dia. Sem meus sonhos não sou inteira. Sem eles, não suportaria! E lendo algumas manchetes de jornais os vi me dar as costas.

Pela primeira vez não soube em quem confiar, em quem apostar minhas esperanças. Pela primeira vez cogitei não usar estrelas esse ano, não votar em Lula, abrir mão daquele direito que sempre comemorei tanto! Mas meus limites largos não valem apenas para os relacionamentos amorosos, e foram eles que me fizeram repensar. Então, vesti meu traje vermelho, encarei quase uma hora de fila na minha sessão sempre lotada e cliquei 13 tantas vezes foram possíveis.

Já perdoei falhas piores que a de não saber. Não quero julgar se Lula é culpado ou não. Definitivamente, não creio que seja minha função. Meu voto não foi para o réu público Lula, foi para o presidente que, mesmo quando ninguém acreditava ser capaz, colocou o Brasil numa situação bem mais confortável do que estava quando ele assumiu o cargo: mais emprego, mais investimentos em programas sociais, menos miséria, menos dívida externa, menos risco país, menos inflação, mais confiança dos investidores, mais indústrias, mais reforma agrária. Foi essa conta que assegurou o meu voto.

Mas hoje, com Lula sendo levado a disputar o segundo turno com alguém tão inexpressivo e despreparado quando Alckmin, o povo quis mostrar que fez uma outra conta: mais corrupção e acordos ilegais descobertos, mais envolvidos ligados ao PT e ao Governo, mais podridão num lugar considerado limpo, menos ética, menos confiança. Triste...

Triste o povo brasileiro – tão cheio de esperança e de vontade de provar que acertou na escolha, há quatro anos – ser obrigado a puxar a orelha do presidente por ele não ter feito o dever de casa. Triste nosso voto ter sido de protesto e não de fé. Triste as ruas caladas e sem cor, um dia inteiro sem abraços e sorrisos. Na hora em que todos deveríamos comemorar o direito de usar a voz, fizemos um luto mudo, cumprimos o nosso dever de cidadão como quem é obrigado. Tristes!

Provavelmente Lula será reeleito no dia 29. Mas espero que tenha compreendido o recado das urnas. Não queremos mais um mito, essa imagem já se desfez depois de tantas acusações. Queremos um chefe de Estado que, além de manter o país equilibrado social e economicamente, também o faça politicamente. Queremos um presidente de alma boa, mas, sobretudo, de mãos limpas, porque queremos apertá-las, para ter a certeza de que fazemos parte do mesmo time.

Nenhum comentário: