Quase sempre foi assim:
Meio lar
Meio pai
Meios filhos
Amor pela metade.
Mas nada lhe tira os pedaços.
Desde cedo, aprendeu a dividir
Sem, no entanto, perder.
Nem se perder.
A dor de meias verdades,
Meias histórias,
Planos partidos ao meio,
Lhe transtorna a face
Embrulha o estômago.
Leva à busca de pedaços inteiros.
Amigos
Trabalho
Sorriso
Fé.
Ela própria.
Inteira.
Disposta a carregar seus meios.
Ainda incapaz de abandoná-los.
19 outubro, 2008
11 outubro, 2008
As coisas mudam
Século XX. Década de 80
A menina termina de almoçar e espalha lápis e cadernos pelo chão. Precisa fazer os deveres antes de começar a Sessão da Tarde. A tia segue seus os passos, acomoda-se no sofá e põe os óculos. Já passa dos 60 anos, mas as lições de português e matemática lhes são bem nítidas, o suficiente para ajudar com segurança à menina.
A televisão permanece ligada, uma presença que não atrapalha a tarefa, e ainda serve como fuga aos problemas mais complexos.
É assim toda tarde. E, toda tarde, algo interrompe o ritual dos deveres de casa, um momento que, de tão repetido, já é esperado pelos adultos.
Na TV, a arte de um gráfico surge atrás do apresentador do jornal. É hora das notícias de economia. Num salto, a menina corre com lápis e caderno na mão até a TV, aumenta o volume e ouve atenta o preço do dólar e o comportamento da Bolsa de Valores de São Paulo e Rio de Janeiro.
Anota tudo e corre novamente, agora, em busca da calculadora. Testa franzida, faz as contas, anota o resultado no caderno e caminha desolada até a cozinha. Dá a notícia num tom quase solene e preocupado. “Ouviu, vó? A Bolsa caiu de novo e eu só tenho 17 dólares hoje”.
Com ares de riso, a avó, avental ensopado à beira da pia, mesmo sem saber de que bolsa a menina tanto falava, encoraja a conversa. “Ah... e ontem, quantos dólares você tinha?” “18,40, mas já tive quase 27 antes de a Bolsa cair”.
Século XXI. Ano de 2008.
Faminta, às 20h, a mulher entra em casa. Joga a bolsa no sofá, tira os sapatos e se joga também. Estica as pernas e leva as mãos à cabeça tentando enganar uma dorzinha que a incomodava desde o começo da tarde. Pega o controle e zapeia pelos canais procurando alguma coisa interessante. “Preciso urgente de uma TV paga!”
Pára na Globo, sempre a Globo. Fátima Bernardes fala pela milésima vez sobre a crise econômica que afeta o mundo. “O presidente Lula garante que o Brasil vive seu melhor momento econômico e não será afetado. Mas os mercados não reagem à crise. O dólar já se aproxima dos dois reais e a Bolsa de São Paulo teve a maior queda da história”.
Desliga a TV, deita no sofá e fecha os olhos resignada.
“Agora só falam dessa bendita crise. Quem disse que eu quero comprar dólar?”
A menina termina de almoçar e espalha lápis e cadernos pelo chão. Precisa fazer os deveres antes de começar a Sessão da Tarde. A tia segue seus os passos, acomoda-se no sofá e põe os óculos. Já passa dos 60 anos, mas as lições de português e matemática lhes são bem nítidas, o suficiente para ajudar com segurança à menina.
A televisão permanece ligada, uma presença que não atrapalha a tarefa, e ainda serve como fuga aos problemas mais complexos.
É assim toda tarde. E, toda tarde, algo interrompe o ritual dos deveres de casa, um momento que, de tão repetido, já é esperado pelos adultos.
Na TV, a arte de um gráfico surge atrás do apresentador do jornal. É hora das notícias de economia. Num salto, a menina corre com lápis e caderno na mão até a TV, aumenta o volume e ouve atenta o preço do dólar e o comportamento da Bolsa de Valores de São Paulo e Rio de Janeiro.
Anota tudo e corre novamente, agora, em busca da calculadora. Testa franzida, faz as contas, anota o resultado no caderno e caminha desolada até a cozinha. Dá a notícia num tom quase solene e preocupado. “Ouviu, vó? A Bolsa caiu de novo e eu só tenho 17 dólares hoje”.
Com ares de riso, a avó, avental ensopado à beira da pia, mesmo sem saber de que bolsa a menina tanto falava, encoraja a conversa. “Ah... e ontem, quantos dólares você tinha?” “18,40, mas já tive quase 27 antes de a Bolsa cair”.
Século XXI. Ano de 2008.
Faminta, às 20h, a mulher entra em casa. Joga a bolsa no sofá, tira os sapatos e se joga também. Estica as pernas e leva as mãos à cabeça tentando enganar uma dorzinha que a incomodava desde o começo da tarde. Pega o controle e zapeia pelos canais procurando alguma coisa interessante. “Preciso urgente de uma TV paga!”
Pára na Globo, sempre a Globo. Fátima Bernardes fala pela milésima vez sobre a crise econômica que afeta o mundo. “O presidente Lula garante que o Brasil vive seu melhor momento econômico e não será afetado. Mas os mercados não reagem à crise. O dólar já se aproxima dos dois reais e a Bolsa de São Paulo teve a maior queda da história”.
Desliga a TV, deita no sofá e fecha os olhos resignada.
“Agora só falam dessa bendita crise. Quem disse que eu quero comprar dólar?”
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