29 janeiro, 2008

Isaltina


Há meses tentava engravidar e não conseguia. A situação já beirava o trauma quando tivemos a grande idéia: adotar um cachorro. Algo bem pequeno, que não nos desse muito trabalho e pudesse me deixar mais tranqüila para gerar o esperado filho.

Após semanas de procura vã, recebemos a notícia de que “ela” havia nascido. Chegou aos meus braços, embrulhada em uma toalha de rosto, uma coisinha preta, com manchas brancas no pescoço, focinho e patas. Era peluda e pequena como eu queria, mas desde a primeira noite experimentei o cansaço da maternidade. Diferente do que esperava, ela dava trabalho! Seguia os meus passos por toda a casa, se desse meia volta, pisaria nela. Só dormia encostada em mim, se eu saísse, começava o berreiro por mais carinho. Passávamos tanto tempo juntas que chegava a sentir seu cheiro mesmo quando ela não estava por perto.

Como qualquer filho, escolher o nome foi uma ciência. E como logo vi que ela seria única, resolvi lhe dar um nome à altura: Isaltina, a cachorra enlouquecida. A criatura mais eufórica, alegre e incansável que já cruzou o meu caminho. Passaram dias, meses, anos... O escândalo pela vida só aumentava. Com tanto carisma, não demorou em se tornar um membro da família e o xodó dos apaixonados por cachorro.
Tinha verdadeira tara por garrafas pet – mantinha várias espalhadas pela casa e quase sempre carregava uma na boca, para poder morder o dia inteiro. Sua tendência cômica era agravada por um erro no corte do rabo, que fez com que ela nunca conseguisse balançá-lo. Sempre que tentava, era ele quem sacodia o resto do corpo, que se arrastava pelo chão em forma de “u”.

O tempo passou e Isa cresceu, cresceu muito. E ocupava espaço demais na vida de todos lá em casa. Ganhou o próprio sofá, livre acesso a todos os lugares, sentava ao centro de qualquer conversa de família, recebia com festa e se despedia dos convidados, almoçava conosco, assistia às novelas aos pés de voinha, circulava pela cozinha para filar as sobras dos preparos, dormia e acordava tarde, como todos nós.

Uma vida sedentária, que lhe deixou obesa e agravou seu problema cardíaco. O cansaço era constante nos últimos anos e a gente costumava dizer que morava uma Toyota na garganta dela. Em dezembro, Isaltina completou sete anos e, no começo desse mês, aparentou mais cansaço que o de costume, e uma estranha moleza no corpo.

Sabe-se lá porque razão, na última visita que fiz a casa de minha avó, sabia que estava vendo Isa pela última vez. O eufórico coração de Isaltina não agüentou e, na semana passada, ela não acordou.

Na família, um dia de pranto, desconsolo e muita saudade. Na casa, um silêncio incomum, uma calma inquietante, um vazio sem compensação. Na gente, o tempo parado, o pensamento longe, seguindo as lembranças de uma cachorra-louca, que nunca mais vai nos fazer sorrir...